terça-feira, 17 de novembro de 2009

O mundo e o seu umbigo

Atire a primeira pedra aquele que nunca teve que agüentar essa frase seguida de um malicioso tapinha na cabeça. Mãe, pai, amigo, prima, namorada, tanto faz o algoz, basta que alguém invoque o aclamado clichê para que uma discussão corra o risco de ser encerrada. Admito que nunca tive a intrépida cara-de-pau de responder à pergunta tão recheada de retórica. Mas num domingo calorento desses, jogado ao sofá após mais um espetáculo rubro-negro regado a cerveja, tive um relance de inspiração enquanto assistia a “minha revista eletrônica” dominical. E se o mundo realmente girasse ao redor do meu umbigo?

Nesse iluminado domingo uma pergunta me fez perceber um fenômeno para o qual nunca havia aberto os olhos. Uma pobre equipe de reportagem saía às ruas com a missão de saber “o que você fazia quando...?”. Mais uma vez, diante da falta de conclusão sobre determinado tema e a necessidade de repercutir (falar por falar), o shownalismo travestido de filme policial tornava “o meu, o seu, o nosso” cotidiano em notícia. Terminada a reportagem, me diverti por horas imaginando como seria se, de fato, os fatos fossem narrados de um outro ponto de vista.

Na última terça-feira, por exemplo, Maria saiu do trabalho e pegou dois ônibus para ir pra casa. Subiu alguns lances de escada, teve dificuldades para abrir a porta pois a fechadura estava emperrada, mas com jeitinho conseguiu entrar devagar. Deixou as compras na mesa e foi tomar uma ducha fria, afinal já estava com o corpo mole de tanto calor. Pensou no dia, nos filhos, no marido que já não tem mais e faz falta, e no terceiro bico que arrumaria na semana para garantir o tradicional tender com cidra no natal. Saiu do banho, se enxugou, jogou um vestido poído sobre o corpo e voltou para a cozinha. Como o dia ainda estava claro graças ao horário de verão, não acendeu a luz. Abriu o gás, riscou um fósforo, pôs a água pra ferver e sentiu falta da tímida luz quando abriu a porta da geladeira. Abriu e fechou duas ou três vezes e só então viu que as pedras dentro da forma de gelo começavam a se desfazer. Maria estava mais uma vez sem luz. Assim como outros 18 estados do país.

Em 2001, Paulo Raimundo saiu com os amigos para comemorar o aniversário de 45 anos. Os amigos recolheram as economias de setembro e resolveram bancar o aniversário do compadre. Da roça direto para o centro. Decididos por uma comemoração banhada a cana e mulher, foram direto ao “Marrakesh”, o paraíso das belezas “marroquinas” no coração de Maranguape, interior do Ceará. Paulo se rendeu aos encantos de Jade (sim, em homenagem à novela) e teve sua noite de sultão no Taj Mahal (afinal, norte da África e sul da Ásia são muito próximos) por modestos R$70. Acordou no dia seguinte com um zoológico inteiro berrando dentro da cabeça, vestiu a roupa e saiu ainda cambaleante da suíte-palácio. Sem condições físicas para levantar um facão sequer, o virginiano faltou o trabalho e foi direto para casa. Com 45 anos completos, abriu a porta, se lançou no sofá, ligou a TV e dormiu. Antes de dormir, ainda lembra ter visto, na TV, imagens de dois aviões se chocando contra uns prédios em algum lugar dos EUA.

Poderia passar o dia aqui com outras histórias como o porre homérico do tio Vladimir quando um muro caiu na Alemanha, ou o desespero de Olívia, vizinha de uma grande amiga, para limpar a casa depois no dia seguinte à festa de natal de 2004. No mesmo dia em que no Oceano Índico um terremoto provocou uma grande onda também.

Marias, Paulos Raimundos, tios Vladimir e Olívias estão por aí todos os dias, em todo lugar, a qualquer hora, com suas histórias e fatos. Todo mundo sabe, mas ninguém os conhece. Logo, se ninguém os vê, ninguém é o que são. Só passam a Ser quando um fato faz com que girem em torno de outros umbigos.

Zé Caruso

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