O garoto astuto e perspicaz vestia terno, gravata, bermuda e ceroulas, embora estivesse quente – insuportavelmente quente. Quente e abafado, quente e moroso, asfixiante e desértico e todos os adjetivos pertinentes e impertinentes como esse calor, esse calor quente. Ele era levemente vesgo, torto, caído para os lados, às vezes hesitando à esquerda das calçadas, às vezes à direita dos transeuntes. Ele parecia pensar o mundo e todas as coisas e todas as coisas pertencentes ao mundo e tudo, absolutamente tudo – tudo – ao mesmo tempo. Parecia genial e imbecil, às vezes sobretudo imbecil, às vezes sobretudo genial. Pouco sobretudo genial.
Imbecil, de fato. Não era destacável, não era bonito, exageradamente estranho, gordo ou magro. Era mesmo inútil e descartável, gostava de Thomas Mann, Alison Krauss e Visconti; começara a estudar termodinâmica aos 8, envolvido com experimentos hercúleos inflamados pela obscuridade da garagem. Ele moldava tapetes e criava acácias, plantava sobriedades e colhia mexilhões; e sim, isso era perfeitamente possível. Gostava de ceroulas e trapaceiros, gostava dos dados, das prostitutas e das alegorias carnavalescas – e gostava de Michael Caine pouco pelas atuações magistrais e muito pelo trocadilho narcótico e infame.
E andava alegre e distraído pelas ruas de Amsterdã levando os mexilhões para passear; e sim, isso era perfeitamente possível. Ele colocava apelidos nos animais e mantinha segredo sobre os apelidos colocados. E preferia chorar lágrimas contrárias à gravidade, tentando tornar possíveis, também, esses desvarios.
Malaquias veio ao jovem e disse, profético e apocalíptico:
- O parnasiano comprou flores, visitou os vasos e terminou tocando o derradeiro tango argentino.
E o menino respondeu, truculento:
- Mas e se as mágoas taciturnas de Vinícius estivessem aqui, seríamos tão infelizes?
Ele contava, então, com apenas 6 anos de amargura e alcoolismo. E discursou:
- Sente-se e espere meu monólogo sobre a dialética.
Malaquias sentou.
Eles estavam próximos à avenida Dimensional IV. O enxofre estava próximo, e os mexilhões sentiam o vento indicando o aroma atípico e casual. O garoto arriscou levantar as pálpebras; e olhou a placa metálica e ilegível, anunciando: “Todos os artefatos inexistentes do universo e a biblioteca de Babel”.
E o monólogo começou:
Mamãe eu quero o prisma eu quero aquele prisma pra mim eu quero eu quero e mamãe por que você não me dá o prisma ele é bonito ele é azul ele é verde e é todas as cores olha só mamãe por que você não olha pra mim por que você está com essa roupa e por que você nunca me dá nada e por que o prisma é verde mamãe mamãe eu quero quero quero e eu quero e você vai me dar porque você é a minha mãe e você é tudo e você é todas e você é a absoluta imprecisão das verdades reverberantes e magnéticas do desfalecimento da memória. Mamãe, mamãe eu te amo e você me ama mas me dá o prisma me dá o prisma ele é bonito ele é lindo ele é lindo e eu vou ter cuidado e vou estudar fazer os deveres e chorar e nunca chorar e eu não sei mamãe, mas você me ama, mas você me ignora e você nunca olha pra mim e eu quero morrer porque você não me deu o prisma e pronto, morri.
Ele buscou a mochila, comprou o pacote, vendeu as imagens e terminou, enfim, acalentado pela melodia do Chico.
E amanheceu pacífico; e tudo era perfeitamente normal e aceitável.
Imbecil, de fato. Não era destacável, não era bonito, exageradamente estranho, gordo ou magro. Era mesmo inútil e descartável, gostava de Thomas Mann, Alison Krauss e Visconti; começara a estudar termodinâmica aos 8, envolvido com experimentos hercúleos inflamados pela obscuridade da garagem. Ele moldava tapetes e criava acácias, plantava sobriedades e colhia mexilhões; e sim, isso era perfeitamente possível. Gostava de ceroulas e trapaceiros, gostava dos dados, das prostitutas e das alegorias carnavalescas – e gostava de Michael Caine pouco pelas atuações magistrais e muito pelo trocadilho narcótico e infame.
E andava alegre e distraído pelas ruas de Amsterdã levando os mexilhões para passear; e sim, isso era perfeitamente possível. Ele colocava apelidos nos animais e mantinha segredo sobre os apelidos colocados. E preferia chorar lágrimas contrárias à gravidade, tentando tornar possíveis, também, esses desvarios.
Malaquias veio ao jovem e disse, profético e apocalíptico:
- O parnasiano comprou flores, visitou os vasos e terminou tocando o derradeiro tango argentino.
E o menino respondeu, truculento:
- Mas e se as mágoas taciturnas de Vinícius estivessem aqui, seríamos tão infelizes?
Ele contava, então, com apenas 6 anos de amargura e alcoolismo. E discursou:
- Sente-se e espere meu monólogo sobre a dialética.
Malaquias sentou.
Eles estavam próximos à avenida Dimensional IV. O enxofre estava próximo, e os mexilhões sentiam o vento indicando o aroma atípico e casual. O garoto arriscou levantar as pálpebras; e olhou a placa metálica e ilegível, anunciando: “Todos os artefatos inexistentes do universo e a biblioteca de Babel”.
E o monólogo começou:
Mamãe eu quero o prisma eu quero aquele prisma pra mim eu quero eu quero e mamãe por que você não me dá o prisma ele é bonito ele é azul ele é verde e é todas as cores olha só mamãe por que você não olha pra mim por que você está com essa roupa e por que você nunca me dá nada e por que o prisma é verde mamãe mamãe eu quero quero quero e eu quero e você vai me dar porque você é a minha mãe e você é tudo e você é todas e você é a absoluta imprecisão das verdades reverberantes e magnéticas do desfalecimento da memória. Mamãe, mamãe eu te amo e você me ama mas me dá o prisma me dá o prisma ele é bonito ele é lindo ele é lindo e eu vou ter cuidado e vou estudar fazer os deveres e chorar e nunca chorar e eu não sei mamãe, mas você me ama, mas você me ignora e você nunca olha pra mim e eu quero morrer porque você não me deu o prisma e pronto, morri.
Ele buscou a mochila, comprou o pacote, vendeu as imagens e terminou, enfim, acalentado pela melodia do Chico.
E amanheceu pacífico; e tudo era perfeitamente normal e aceitável.
Ou não.
Pato Donald
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