terça-feira, 17 de novembro de 2009

O mundo e o seu umbigo

Atire a primeira pedra aquele que nunca teve que agüentar essa frase seguida de um malicioso tapinha na cabeça. Mãe, pai, amigo, prima, namorada, tanto faz o algoz, basta que alguém invoque o aclamado clichê para que uma discussão corra o risco de ser encerrada. Admito que nunca tive a intrépida cara-de-pau de responder à pergunta tão recheada de retórica. Mas num domingo calorento desses, jogado ao sofá após mais um espetáculo rubro-negro regado a cerveja, tive um relance de inspiração enquanto assistia a “minha revista eletrônica” dominical. E se o mundo realmente girasse ao redor do meu umbigo?

Nesse iluminado domingo uma pergunta me fez perceber um fenômeno para o qual nunca havia aberto os olhos. Uma pobre equipe de reportagem saía às ruas com a missão de saber “o que você fazia quando...?”. Mais uma vez, diante da falta de conclusão sobre determinado tema e a necessidade de repercutir (falar por falar), o shownalismo travestido de filme policial tornava “o meu, o seu, o nosso” cotidiano em notícia. Terminada a reportagem, me diverti por horas imaginando como seria se, de fato, os fatos fossem narrados de um outro ponto de vista.

Na última terça-feira, por exemplo, Maria saiu do trabalho e pegou dois ônibus para ir pra casa. Subiu alguns lances de escada, teve dificuldades para abrir a porta pois a fechadura estava emperrada, mas com jeitinho conseguiu entrar devagar. Deixou as compras na mesa e foi tomar uma ducha fria, afinal já estava com o corpo mole de tanto calor. Pensou no dia, nos filhos, no marido que já não tem mais e faz falta, e no terceiro bico que arrumaria na semana para garantir o tradicional tender com cidra no natal. Saiu do banho, se enxugou, jogou um vestido poído sobre o corpo e voltou para a cozinha. Como o dia ainda estava claro graças ao horário de verão, não acendeu a luz. Abriu o gás, riscou um fósforo, pôs a água pra ferver e sentiu falta da tímida luz quando abriu a porta da geladeira. Abriu e fechou duas ou três vezes e só então viu que as pedras dentro da forma de gelo começavam a se desfazer. Maria estava mais uma vez sem luz. Assim como outros 18 estados do país.

Em 2001, Paulo Raimundo saiu com os amigos para comemorar o aniversário de 45 anos. Os amigos recolheram as economias de setembro e resolveram bancar o aniversário do compadre. Da roça direto para o centro. Decididos por uma comemoração banhada a cana e mulher, foram direto ao “Marrakesh”, o paraíso das belezas “marroquinas” no coração de Maranguape, interior do Ceará. Paulo se rendeu aos encantos de Jade (sim, em homenagem à novela) e teve sua noite de sultão no Taj Mahal (afinal, norte da África e sul da Ásia são muito próximos) por modestos R$70. Acordou no dia seguinte com um zoológico inteiro berrando dentro da cabeça, vestiu a roupa e saiu ainda cambaleante da suíte-palácio. Sem condições físicas para levantar um facão sequer, o virginiano faltou o trabalho e foi direto para casa. Com 45 anos completos, abriu a porta, se lançou no sofá, ligou a TV e dormiu. Antes de dormir, ainda lembra ter visto, na TV, imagens de dois aviões se chocando contra uns prédios em algum lugar dos EUA.

Poderia passar o dia aqui com outras histórias como o porre homérico do tio Vladimir quando um muro caiu na Alemanha, ou o desespero de Olívia, vizinha de uma grande amiga, para limpar a casa depois no dia seguinte à festa de natal de 2004. No mesmo dia em que no Oceano Índico um terremoto provocou uma grande onda também.

Marias, Paulos Raimundos, tios Vladimir e Olívias estão por aí todos os dias, em todo lugar, a qualquer hora, com suas histórias e fatos. Todo mundo sabe, mas ninguém os conhece. Logo, se ninguém os vê, ninguém é o que são. Só passam a Ser quando um fato faz com que girem em torno de outros umbigos.

Zé Caruso

Vencer, vencer, vencer

Era um grupo de seis rapazes. Conversavam entusiasmados ao saírem do passatempo do final de semana: o futebol, única atividade daqueles que estudavam e trabalhavam o dia inteiro e que só queriam se divertir correndo atrás da bola em pleno sol do meio dia. Em meio aos gritos, o mesmo tema ainda os unia: o futebol. Qualquer um diria “ah, é a paixão brasileira”. Eu diria que isso tudo beira o fanatismo.

Perto do campinho onde jogavam, havia um bar. Ah, não me faça lembrar o nome. Era um boteco onde eles costumavam parar e ver os jogos da rodada do Brasileirão no final de semana. A cerveja gelada fazia a tulipa suar, assim como os rostos dos rapazes. Na televisão, adivinha sobre o que o comentarista falava? Sim, o futebol. Mas não era qualquer futebol. Era o Flamengo – time que comandava o termômetro de exaltação dos seis torcedores da mesa, atentos a cada lance, cada novidade.

A novidade dessa vez não era muito boa. Além de eles não poderem ir ao próximo jogo, contra o Barueri e fora de casa – ah, sim, esqueci de mencionar que eles iam em todos os jogos no Maracanã – o ídolo das últimas vitórias também iria desfalcar a equipe. Suspenso, o atacante Pet vai ver tudo do banco, assim como os torcedores. E ele, logo ele, o sérvio quase quarentão que retornou ao clube por causa de uma dívida antiga, tornou-se um dos grandes ídolos da torcida.

Apesar disso, nada abalava a confiança dos rapazes. “Se o Flamengo ganhar essa, entraremos no G4” - um deles gritava. Pois é, a décima vitória consecutiva do rubro negro já rende lucro para os jogadores, que ganharam R$ 60 mil cada em bônus. E os torcedores, é claro, ganham cada vez mais esperança de que o time poderá ser o campeão do Brasileiro 2009. Aliás, a esperança que já está com eles desde o início, desde o “uhhh” na ameaça de um gol, desde a pelada do fim de semana em que se imaginam fazendo os dribles dos craques, desde a voz que entoa o hino do clube... até a conversa no bar com os amigos.

Jornalista

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Já virou rotina

Primeiro eu pensei que era uma rotina apenas do Rio de Janeiro, mas depois, lendo o jornal de hoje, percebi que não se restringia a minha cidade. Já virou rotina no Brasil e no mundo. Eu prefiro falar de música, cinema, cultura... Mas do jeito que a coisa anda eu não podia deixar de me manifestar.

A violência no país está atingindo níveis absurdos e as drogas só fazem aumentar esses números. Encontramos cada vez mais drogados nas ruas, na televisão, na internet, nas rádios. Filho mata pai, irmão mata irmã, namorado mata a garota dos sonhos, tráfico invade favela, toneladas de maconha e cocaína são apreendidas... Essas são as notícias que o brasileiro - e outras pessoas ao redor do mundo - encontram todos os dias nos jornais.

Li uma matéria no Globo sobre uma operação da polícia de Curitiba - que para mim, até então, era um lugar tranquilo - onde foram apreendidas toneladas de drogas: maconha, cocaína, crack. Não sei o que sentir numa ocasião dessas: fico feliz porque a polícia brasileira foi eficiente e conseguiu fazer o seu trabalho de repressão ou fico triste porque meu país virou rota do tráfico internacional de drogas? Ainda não sei.

Tem até prefeito de cidade mineira se drogando! O candidato passou por um longo período de campanha, conquistou a confiança dos eleitores, derrotou adversários e, finalmente, conseguiu ser eleito para governar a cidade durante quatro anos porque tinha uma conduta que agradava aos eleitores. De repente, sem completar nem um ano de mandato, descobre-se que ele ia até as favelas locais para comprar drogas (crack especificamente). Ai você para e pensa: nenhum político presta. E lembra de todos os casos de José Sarney, Roberto Jefferson, Álvaro Lins... É, já virou rotina, a política brasileira também nos envergonha. E nós, eleitores, ainda somos obrigados a votar!

Mônica Sampaio

Do avesso

Acordei essa manhã e fui direto para o trabalho. Não tive tempo nem para tomar meu café da manhã porque já estava atrasado. Cheguei lá e fiquei imerso nos problemas da empresa até a hora do almoço. Quando fui até a pequena cozinha do escritório para esquentar meu almoço, entreouvi meus colegas conversando sobre mais uma tragédia que passava no noticiário.

- Caramba, atiraram nele. Parece que ele estava caminhando na rua.

Mais uma dona de casa saiu às ruas e matou uma pessoa, um traficante da favela na qual ela morava. Ela atirou contra as costas do rapaz e o tiro lhe atravessou o peito. Tentaram socorrê-lo, mas ele já estava morto quando chegou ao hospital. Foi como na semana passada, quando uma senhora esfaqueou um PM dentro de um bar. Normal isso acontecer hoje em dia. Os traficantes e policiais estão com medo. O governo não sabe o que dizer para acalmar essas pessoas. Estão oferecendo aumentos e folgas.

As novelas só tratam disso. Os jornais, então, nem se fala. É um sensacionalismo atrás do outro. Vários repórteres seguem pela rua procurando e tentando identificar o perfil desses assassinos inescrupulosos.

- Trabalhador, normalmente com família, grande parte de baixa renda, mas existem as exceções da classe média... – ouvi o repórter do telejornal descrever.

Todos na empresa eram potencialmente perigosos. Por isso todo mundo dava sempre um jeito de mostrar como mesquinhos somos, como errada cada parte da nossa vida era. Bárbara, do setor de finanças, ontem mesmo, gritou no meio do salão que anda roubando a empresa, sobretaxando preços como o do café e da copiadora e pegando a diferença para ela. Depois, eu ouvi outras funcionárias invejosas reclamando o quão pretensiosa Bárbara era.

Deve ter algo absurdamente de errado comigo. Eu penso que essa sociedade só pode estar realmente doente. Ninguém mais preza valores como o da família. Só defendem os interesses pelo dinheiro, pelo poder; ninguém mais é honesto, ninguém mais tem caráter. Em que momento a sociedade enlouqueceu? Quando foi exatamente que perdemos a esperança de viver segundo os princípios do respeito e da cidadania?

Nos meus quarenta anos de vida, nunca vi nada mudar. Me pergunto: será que poderei criar meu filho numa época como essa? E meus netos? Estamos no ano de 2109, meu Deus! Será que em algum século alguma coisa poderá mudar?

Ana Cristina, a dona de casa revoltada, foi presa em flagrante. Logo em seguida, foi solta, por falta de provas. Os traficantes da região choram a perda do amigo, e esta tarde realizam uma passeata contra a violência.

Wilma Dantec

Rambo em: a missão final

Seria muito fácil terminar aquele dia sem receber uma ordem direta do Conselho. Diria Conselho pra não dizer Estado, pra não dizer as mais altas patentes militares. Quando esse tipo de coisa acontece, sabemos que o partido rival deu algum furo e chamou atenção demais com suas ações. Em períodos como este, é importante ser discreto.

Estas missões nunca eram complicadas de se realizar. É incrível como quando nos encarregam de algo desse valor eles já têm tudo pronto. Logo ao entardecer daquele dia, o carro que seria utilizado estaria estacionado próximo a um restaurante, nas proximidades do batalhão vizinho. Lá já estariam dois agentes que me dariam cobertura. Logo que o alvo saísse de sua casa de carro, o iremos abordar com permissão de abrir fogo.

Não havia passado das cinco da tarde. Era o tempo para eu me preparar psicologicamente para a missão. A cada dia que passa este tipo de ordem era dada para militares de patente semelhante a minha e já começava a virar rotina. Somos cargos de confiança. Confiança essa que retribuímos com serviços à nossa bandeira. Que retribuímos com nosso silêncio.

Mas por que temos que lutar e matar pessoas que lutam pela mesma bandeira que nós? Algo que me inquieta sempre é o fato de que, se lutamos por um bem maior, se lutamos pelo nosso país, por que fazemos tudo às escondidas? Existem momentos em que parece que a população vive num grau de alienação e aceitação tal que, independente das atitudes do Conselho, não faz a menor diferença. Por mais que as pessoas tenham consciência de algumas coisas, o medo faz com que hesitem em lutar.

Estava vestido com o colete, armas no coldre, roupas comuns, um comum frio na barriga e faltava apenas quarenta minutos para a missão se iniciar. Já era hora de tomar postos e esperar o momento. A rua nunca era muito barulhenta e nesse dia apresentava uma quietude ainda mais sobrenatural. A missão estava algum tempo adiantada e os dois agentes já me esperavam num carro conversível preto de emplacamento civil, como sempre.

Só não posso dizer que aqueles foram os piores minutos da minha vida porque já tinha passado por aquela situação outras vezes e sentia a mesma coisa. Mas algo me dizia que daquela vez não era só isso. Mas o mais importante era manter a calma, respirar fundo, empunhar o rifle e atirar. Atirar em um compatriota. Era uma questão de poucos segundos e terminava o serviço. Mas mesmo assim, a cada dia que passava recebíamos uma nova ordem para executar alguém da oposição e a cada dia ressurge a esperança de que esta será a última vez.

A porta da garagem foi aberta lentamente enquanto um carro vermelho se preparava para sair. Era chegada a hora. O nosso carro estava posicionado próximo à porta da garagem e o cano do rifle já estava preparado e carregado. Era só esperar o carro terminar de sair da garagem e disparar na lataria do alvo mesmo, já que a bala do rifle seria capaz de perfurar o metal. Tínhamos uma boa distância, e com o silenciador, não iríamos levantar suspeitas. Apenas mais um segundo e...

Por um momento acreditei que tudo tinha dado certo, a missão havia terminado e eu só precisava contar com o pé no acelerador do meu comparsa. O vidro ao lado da cabeça do alvo estava banhado de sangue, que deveria ter jorrado de seu pescoço ao ser atingido. O buraco aberto no outro carro estava estrategicamente posicionado onde a bala deveria ter se alojado no alvo, logo acima da clavícula. Assim que nosso veículo arrancou, percebi que o motorista do defunto olhava horrorizado pra trás, quando levantou um pequeno braço pelas mãos. Lá estava um menino, uma criança, que mal deveria ter seus cinco anos, inerte. Enquanto o motorista gritava e saía do carro com o garoto no colo e curiosos se aproximavam, conseguimos fugir. Olhei para o rifle em minha mão. Girei-o segurando pelo cano e aproximei o indicador da outra mão ao gatilho. O metal não estava muito frio. Senti gosto de ferro. Teria sido muito fácil terminar aquele dia sem receber aquela ordem direta do Conselho.

Rambo
26 de outubro de 2009. O Paraná é varrido mais uma vez em menos de um mês. Não, não falo do tornado que atingiu a região e provocou estragos em várias cidades paranaenses em meados de outubro. Refiro – me à ação conjunta da polícia que resultou na prisão de 279 suspeito de tráfico. Situação bem diferente da que assolava a região há pouco tempo, quando bandidos mataram oito pessoas em Curitiba como forma de afirmar o poder do tráfico no local. O desrespeito ao toque de recolher instituído por bandidos foi fatal para quem ousou estar na rua após a hora determinada. Quem matou, disse que não escolheu as vítimas. Nem mulheres e bebês foram poupados da chacina. Afinal, quem manda andar na rua a hora que bem entender?

A prisão em massa obviamente não acaba com o problema da violência e do narcotráfico no Paraná, mas refresca a alma de quem se vê acuado pelo crime. A polícia fez sua parte em mostrar que não abre mão de sua autoridade facilmente. Resta saber se os suspeitos são mesmo culpados e , se for, se vão ser presos. Vale a pena lembrar também que as cadeias do estado sofrem os mesmo males da instituições nacionais. Foi de um presídio de Chapecó que partiu a ordem para a invasão no morro dos Macacos, no Rio de Janeiro.

Outro fato nessa história chama a atenção. Enquanto o Rio de Janeiro ainda se orgulha do polêmico filme Tropa de Elite e prepara a sequência, a operação realizada no sul do Brasil se completou sem que uma pessoa fosse morta ou sequer ferida. Enquanto isso, no Rio... guerra entre bandido e bandido, bandido e polícia, morre um , morre dois, dezenove. E ainda tem gente morrendo. Estamos falando do mesmo país? As balas perdidas não cansam de encontrar vítimas. Deveriam ser chamadas assim porque não conhecem os responsáveis pela ação. Quem coloca uma bala no mundo pode tirar alguém dele. É claro que a geografia carioca privilegia em termos de estratégia os criminosos. Ainda assim, dá para melhorar e muito o método de captura de bandidos por aqui. A polícia do Paraná mostrou que é possível.

Papel

Marina do brejo

Como se não bastasse o miserê todo em que a gente já vive. Decidiram agora discutir CPI do Movimento Sem Terra. Dizem por aí que a intenção disso tudo, na verdade, é apenas dar um pouco mais de movimento ao nosso movimento. É que ele tem estado apagado ultimamente. Depois que a gente parou de despertar olhares curiosos da playboy, nossa auto-estima foi para o brejo. E pior. Nem o brejo é nosso.

A discussão leva tempo. É gente falando daqui, gente gritando de lá e por aí vai. Na minha família, para que se tenha idéia, o problema fundiário tem sido mais importante que a hérnia de disco da minha avó. E essa, coitada, não tem terra nem para morrer em paz.

Eu não sou muito do tipo que concorda com político não. Não gosto dessas coisas. Porque logo vem um e diz que a gente é safado. Mas a tal senadora lá falou bonito com relação a essa CPI. “Investigar só um lado é uma tentativa de criminalização de um aspecto do problema agrário muito maior no Brasil”. É isso. Com a CPI, não só estamos saindo das páginas da playboy, como também estamos entrando na capa da investigateboy. A partir de agora, se é que já não foi sempre assim, os criminosos somos nós.

Eu queria mesmo é ver funcionar CPI que investigasse invasão de familiares de políticos em cargos governamentais, invasão de direitos do cidadão, invasão de privacidade. Essas coisas que acontecem o tempo todo, mas que continuam sempre na mesma. Da mesma forma, no problema em que estamos, para que a CPI funcionasse, o que deveria ser investigado não é quem quer o brejo ou a quem o brejo pertence, mas sim, a quem ele deveria pertencer e em que proporções. Porque, se isso não for feito, o único dono do brejo será a vaca.

Semíramis

Caso de polícia

Como se já não bastassem os inúmeros escândalos envolvendo políticos e Suplicy andando de sunga pelo Senado, o prefeito de uma cidadezinha de Minas resolveu aprontar uma daquelas. João Carlos da Aparecida, do PT de Minas, foi pego em uma boca de fumo de sua cidade, Raposos. E não foi a primeira vez.

Nada contra o cara fumar ou cheirar o que ele quiser, mas ir para uma favela consumir drogas com um carro de prefeitura é petulância demais. Para piorar, depois de chegar à Delegacia e sequer conseguir prestar depoimento, o cidadão teve a coragem de dizer à imprensa que não falaria, usando a desculpa à la Vanusa de que estaria sob efeito de um medicamento muito forte. Crack agora é medicamento? Gostaria de saber que novo tipo de tratamento é esse.

João Carlos pediu licença da prefeitura para tratamento médico. Há quem diga que fez isso pensando em sua recuperação. Mas há cerca de 90% de chances da decisão ter sido tomada para que algo muito pior não ocorresse: seu impeachment. Afinal já foi formada uma comissão para levar adiante o processo de cassação de seu mandato.

Os usuários de drogas pegos em flagrante por policiais têm alegado: “se o prefeito pode, todos podem”, o que era de se esperar. O político que deveria seguir de exemplo e ajudar no combate ao tráfico de drogas, conseguiu subverter a ordem lógica de uma forma nunca feita anteriormente.

Histórias como essa nada mais são do que o reflexo do caos instalado na política brasileira. Não sabemos mais quem elegemos e estamos na mão de pessoas que não sabem separar sua vida pessoal de sua vida política.

Mel

Sossego

Depois de sobrevoar boa parte das minhas terras hoje à tarde, pisei em casa e pude ler o sagrado jornal. Com uma sensação de dever não cumprido porque mais uma vez não consegui vislumbrar toda a minha propriedade, o meu crescente pedaço de “chão do mundo”. Um único dia já não é mais suficiente, agora preciso de dois para fiscalizar os meus protegidos pés de laranja. Mais alguns anos e em três dias já ficaria apertado.

Eu tenho uma espécie de fixação pela propriedade, admito – isso é coisa comum –, uma fixação que começou ainda nos tempos do movimento. O movimento era o dos sem terra e eu, um dos seus inúmeros integrantes. Agora eles são, para mim, como pragas que se multiplicam. Pragas para as quais ainda não inventaram um inseticida específico. Eu era um deles, comecei de baixo, mas passados dois meses eu já freqüentava o alto escalão. No topo só chegam os mais ambiciosos e essa qualidade transborda em mim. Minha avó sempre dizia: “como você é articulado, menino!”; Uma pena ela ter visto que, na verdade, eu sou é um grande articulista...

Já com dois anos de movimento e algumas ocupações – nem sempre de terras improdutivas – no histórico, eu consegui comprar a minha primeira fazenda. Permaneci no movimento e contratei meu primeiro “laranja”, estava formado um verdadeiro ciclo vicioso.

O ciclo: eu comprava mais terras, quase todas as propriedades vizinhas da antiga fazenda hoje me pertencem, continuava no movimento e empregava mais “laranjas”. No entanto, com dez anos de movimento eu sumi do Brasil. Percorri os estados Unidos e a Europa e fui esquecido pelos companheiros de cá. Graças a deus, esquecido, era tudo o que eu queria. Saí do movimento e, por ironia, troquei meus 15 “laranjas” por incontáveis laranjeiras.

O motivo de ser deste registro não é qualquer arrependimento passado, mas sim a irritação causada por uma reportagem.Tenho dinheiro, terra, família. Já plantei muitas, mas muitas árvores, mesmo que todas iguais, e não escrevi nenhum livro, nem nunca quis. Ainda assim arrumam um jeito de tirar meu sossego.

A página 8 do jornal de hoje me mostrou que lá de Washington (que eu já visitei quando larguei o movimento) a Senadora Marina Silva pretende modificar a CPI dos assuntos agrícolas. Graças à minha imunidade latifundiária, até então eu estava tranqüilo, mas o problema é que a tal senhora de óculos quer incluir o que ela chamou jocosamente de “ruralistas” nas investigações. Não gosto dessa expressão, mas até onde eu sei, ela se refere ao grupo do qual faço parte. Mas, pensando melhor eu pergunto a vocês: Será que o Brasil está realmente mudando? E por quê, logo agora que eu me dei bem?

Jean Baptiste

Aprenda a se candidatar à presidência

Quem se lembra das eleições de 2006? E de uma candidata da oposição que defendia as questões “esquecidas” pela maioria e a participação das mulheres no poder executivo? Então, a nova feminista do poder político é a provável candidata à presidência pelo Partido Verde. E de tempos em tempos, ela apresenta suas opiniões de maneira exaltada, que sempre ganham destaque no alto da página da editoria País.

Desta vez, a senadora, pretensa presidente, questionou a CPI do MST. Como pode apenas um movimento ruralista ser investigado? Existem tantos movimentos agrários pelo país. Vamos investigar todos! Candidata nova da vez é assim: ganha espaço no grito.

Nas eleições de 2006, a candidata da blusinha branca de babados (uniforme de guerra!) gritou tanto no palanque que hoje ela é mais reconhecida e, claro, lembrada por causa do seu saltitante dente no meio de um discurso do que pelas suas ideias. (O que ela falava naquele momento mesmo?)

Por outro lado, a bola da vez, nem precisa abrir a boca para se tornar destaque. Esta dá aula de como aparecer na mídia e já é favorita nas pesquisas. Existem tantas coisas que ressaltam seu nome: apoio político, visual novo, calúnias sobre seu passado, doença grave etc. Quem precisa abrir a boca, antes do tempo, numa situação dessas?

Enquanto isso, o velho discurso da luta contra o preconceito de gêneros e das minorias ecoam entre os pequenos candidatos, os ataques ao discurso dos concorrentes também. Mas é assim que funciona, se não tem o que propor, o caminho é criticar o já dito e com veemência. Resumindo, criem polêmica! “Os atos falhos falam mais do que o discurso”, que frase de efeito! Toda aquela concepção de Freud junto com a análise do discurso... Nada disso. Apenas um ataque da emergente candidata a forte concorrente. Ela seguiu a lógica do: fale mal, mas com eficiência. Tal declaração ganhou destaque como subtítulo na página do jornal.

A época de eleição, e olha que ainda nem chegamos lá, apesar do chato horário eleitoral, também nos proporciona vários momentos de risos, piadinhas infalíveis feitas pelas mentes mais capciosas e criativas, as sacadas dos marqueteiros, a disputa de ibope na mídia etc. Mas, o candidato que se sobressai é aquele que apresenta uma causa que apenas ele defende.

A nova “Heloísa Helena”, só que revestida pelo PV do Acre, acredita que ela é a única candidata que se importa com a questão ambiental, em um momento que discutimos a poluição do meio ambiente em mesa de bar e trocamos nossas sacolas plásticas por sacos ecológicos. Pois bem, fiquem de olho se alguém quiser mencionar a questão ambiental na sua plataforma política, será uma ideia totalmente copiada da fértil mente da senadora acreana.

Qual será a próximo argumento dos pretensos candidatos para aparecer? Dou uma dica: crítica ao programa Bolsa Família. Talvez dê uma nota na primeira página.

Raposa do Pequeno Príncipe

Paraná

Não há dúvidas. A economia dos locais atingidos pela operação da Divisão Estadual de Narcóticos foi fortemente afetada. Campo Magro agora deve estar anoréxico, Almirante Tamandaré afogado, Colombo perdido de sua rota e Agudos do Sul mais boleado do que nunca. Foz do Iguaçu, então, agora secou de vez, com certeza. As palmas distribuídas nos jornais do país atestam a eficiência do que seria (impressionante!) o começo do “Paraná contra as drogas”, nome que inspira uma verdadeira mobilização generalizada e emocionante. Parabéns às divisões policiais envolvidas, que, até onde meus contatos e, assim, minha vã coleta de informações alcançam, saíram de moral limpa. E é claro, literalmente limpos, seus rostos tampados e braços musculosos estampados nos jornais. Tudo sem sangue.

Pensando em sangue, tenho uma proposta a fazer. Lembrando das últimas semanas de confronto entre polícia e tráfico no Rio de Janeiro... Veja bem, eu disse confronto, nada que remeta ao positivismo do nome e à assepsia da operação paranaense. Bem contrário, até. Mas acho que não preciso recorrer à origens das palavras ou dicionários para me fazer entender, tenho certeza de que o carioca tem prática, e nada como a prática no assunto para te fazer especialista nos jargões.

Pois eu me pego imaginando possibilidades pra lá de imaginárias. Imagina só (com força, eu sei): a polícia resolvem extender o exemplo do Paraná, só que no Rio. Desconsiderando toda a guerra civil antes deflagrada e chegando direto ao ponto da suposta glória policial, claro. O tráfico estaria absolutamente desarticulado, enfraquecido, as comunidades livres do domínio do comércio das drogas. Do comércio das drogas. O caminho está livre para novas possibilidades de domínio. E agora, o que seria dos milhares de demitidos pelo tráfico, das comunidades órfãs? Uma solução imediata: novos caminhos seriam abertos, ou ainda mais abertos, estuprados, escancarados para as formas de domínio alternativas. Foi tudo o empurrãozinho fantasiado de empurrão que a milícia precisava. Nada como uma boa política de exploração de serviços e submissão das comunidades para garantir aquele lucro.

Claro que a gente sempre pode pensar pelo lado otimista da questão. É quase que uma política de aquecimento e reformulação da economia narcotráfica. Com a operação, o material novinho, que acabara de chegar e nem embalado estava, veja só, todo perdido (sabe-se lá para quem). O tráfico restante, depois de reorganizado, vai precisar de novas remessas. A dobra da demanda vai estimular a produção. A oferta vai ser duplamente maior. Duplamente econômica! Duplamente lucrativa!

Joaquim Lima

A minha anta é o Stallone

Candidato novo a presidência precisa se armar até os dentes para entrar no campo de batalha do planalto, local de muitas baixas, baixarias e briga de saltos altos. Seja para se diferenciar dos políticos cara (plataforma) de paisagem, seja para se apoiar no anseio do povo pelo sangue dos mesmos. A novata Marina se veste de verde (graças a Deus não com aquela sunguinha rosa do Gabeira), entra chutando a porta e descarregando sua metralhadora giratória. Com um “quê” de Rambo, se me permitam o trocadilho silvestre (de selva, não do Stallone). Bem diferente de seu falecido mentor Chico Mendes, uma comparação que me agradaria bem mais de fazer do o troglodita que não perdoa ninguém. Como disse o soldado preso em cativeiro para o terrorista comunista no primeiro filme “Deus perdoa, Rambo não”, na tentativa mais infame de engrandecer um personagem. Mas não é que funcionou com ele, quem sabe sabe Marina não adota uma faixa vermelha e consegue chegar até a quarta versão. Sonho secreto de nosso atual presidente, que está mais para Denny DeVito.

Marina fala mal de CPI aqui, critica chefe da casa civil ali e nas horas vagas se dedica ao hobby favorito de todo candidato, criticar a plataforma dos outros. Afinal, quem não critica se trumbica... Ou algo do tipo. A nova filiada do PV parece ter ficado incomodada pelos outros pretendentes ao cargo do pingüim do Batman terem acrescentado ao seus discursos o seu “ganha voto”, o meio ambiente. Esperneio para a mãe, choramingou para o pai, mas seu dedo de politica não resistiu e logo saiu por ai apontando seus inimigos em local público. Visto que agora que esse tema se tornou preocupação de boa parte do eleitores não há nada mais natural que isso aconteça. Sua irritação pela popularização da plataforma que parece ser algo não natural. Assim como a CPI do MST.

Falar mal de politico que é sim algo natural. Eu faço, Marina faz, Diogo faz. Mas o que diferencia Mainardi de mim é a anta. E o que diferencia Marina dos outros é o Stallone. Não venho aqui pisar em uns e defender outros. O que só não em desce bem é politico que se exclui da sujeira do seu local de trabalho... Ah! E é claro de ter um presidente que se candidatou como o guerreiro salvador estilo Schwarzenegger e por passe de mágica da sessão da tarde se transformou no irmão gemio DeVito.

Jefferson Rocha