terça-feira, 29 de setembro de 2009

Gente boníssima

O maior gente boa que eu conheço é o meu pai. Não é que o malandrinho se dá bem com todo mundo? Não sei explicar direito porque ele é gente boa, isso é coisa que só se vê no dia-a-dia: ele é político e ele é charmoso – não no sentido literal, não com aquela barriguinha de oito meses de gestação de gêmeos gordos –. Sinal disso é quando os SEUS amigos vão te visitar e não querem sair da cozinha porque lá “tá legal”.

Ele é irritantemente cativante. Aos 48 começou uma faculdade com a desculpa de passar o tempo. Com dois meses já estava ganhando festinha surpresa da garotada de ADM da Estácio. Mais conhecido como “velho”, “coroa” ou “tio”, recebeu um tragicômico carro de mensagens com direito a espuma, tapete vermelho, coroa e megafone. No primeiro período, porque no aniversário seguinte a galera já tinha aquela intimidade e a animadora do carro de mensagens não era mais a moça do braço quebrado, mas um autêntico travesti cantando “At first I was afraid, I was petrified” na porta da nossa casa e chamando minha mãe de baranga.

E ele é gente boa porque eu nunca levei uma palmada. Eu nunca nem tive que ouvir broncas gritadas a plenos pulmões, a gente sempre batia altos papos como se minhas conversas aos seis anos fossem tão relevantes quanto a paralisação de funcionários da empresa dele. Eu me sentia gente grande. E ele é gente boa porque quando eu estou surtando com minha velhice – vinte anos não é pra qualquer um não – ele me fala dos planos pós-aposentadoria. É mesmo um bon-vivant. Me diz que a gente tem a idade que sentimos ter.

É gente boa porque quando vamos fazer compras pegamos um carrinho só nosso, separado do da minha mãe. No dela se concentram toda a sorte de coisas saudáveis e cascudas. No nosso só o trivial: chocolate, sorvete, congelados, cerveja e amendoim pros jogos do Premiére Futebol Clube e Pringles, afinal, se mente sã é corpo são, o inverso também se aplica. E mesmo com toda essa garotice ele é a pessoa com mais senso de justiça que eu conheço, ainda me admira ver como ele sempre sabe o certo a dizer e fazer. Mais ou menos no estilo daquele faxineiro do Planalto que achou a mala recheada e devolveu.

E ele é gente boa porque sempre que eu vou de alguma night tem um lanche me esperando dentro do forno. As vezes ele acorda, me vê naquele estado deplorável e diz “você é fraquinha, quando eu tinha sua idade já passei três dias virado” e eu respondo “mas o aprendiz nunca supera o mestre”. E nem quero.
Srta. Bones I

Gente boa

Certa vez, estava Valdirene a caminho do mercado, quando ouviu falar do concurso “Gente Boa 2009”. Nunca houve nada parecido na pacata cidade de Brumadinho, confins de Minas. Toda a gente estava animada. Olha que até os jornalistas iam cobrir o evento! Valdirene não teve dúvidas. Queria ser gente boa. Só tinha um problema. Ela não fazia idéia de como fazer para ganhar o concurso. Ao vencedor, uma medalha e uma entrevista no jornal. Com foto e tudo! Começou a pensar. Não vinha nada à mente. Decidiu conversar com as pessoas. Só que não conhecia ninguém. Valdirene chegara à cidade há menos de um ano para tentar a vida em um lugar humilde. Em Belo horizonte, onde morava, não conseguia emprego. A concorrência é grande para quem tem pouco estudo. Tem sempre alguém mais preparado. Ainda não trabalhava em Brumadinho, mas tinha esperanças. Sabia fazer comida, arrumar casa como ninguém e levava jeito para artes manuais. Só que não conhecia ninguém. Então, como descobriria o que é ser gente boa. Foi então que ela bolou um plano. Não perguntaria de cara. É melhor falar aos poucos.

A igreja foi o lugar escolhido para começar. Lá ela soube que ser gente boa é ajudar o próximo, fazer caridade e rezar sempre. Foi o que fez. Sempre tinha um troco ou um pão para dar os mendigos, doava roupas e brinquedos para o orfanato da cidade e participava do grupo de oração da igreja. Não demorou a ser conhecida por todos de lá. O próximo passo foi se inscrever no concurso.

Só que um dia desses, na volta para casa, ela ouviu um grupo de rapazes comentarem que a Sabrina, filha do Gomes, era boa. Os motivos fariam corar um cantor de funk. Mas ela era boa. Isso poderia lhe tirar o futuro título. Descobriu que, para ser boa como a Sabrina, ela teria que fazer exercícios. Sorte que a pensão do pai deu para se matricular em uma academia. Em uma semana, aprendeu com os novos amigos todas as dicas para ser saudável e bonita.

Pouco a pouco, encontrar conhecidos na rua passou a ser comum. As pessoas faziam questão de apresentá-la a seus acompanhantes. Em troca, Valdirene retribuía com sorrisos e olhar atento. Gostava de ouvir a todos. Interessava – se pela vida deles e o que os faziam especiais. Mas ainda não sabia bem como ser gente boa.

Até hoje ela não entende como venceu o concurso. Afinal, não era boa como a irmã da igreja, nem como a Sabrina. Bem que tentou, mas essas coisas levam tempo. O que ela não sabia é que toda vez que alguém falava sobre ela, fechava a frase com: gente boa demais a Valdirene.
Papel

Gente boa

“Não precisava dar um tiro na cabeça dele”. Todos devem ter ficado sabendo do assalto que aconteceu na Tijuca, na tarde da última sexta-feira. Um homem fez uma refém e ameaçou explodir uma granada. A polícia, para impedir um desastre, atirou na cabeça do assaltante. A frase que abre a crônica foi dita pela irmã do rapaz, que se chamava Sérgio Pereira Pinto Júnior. Sim, ele tinha nome!

Eu estava decidido a ignorar os comentários a respeito do acontecimento e, até mesmo, a me retirar das discussões – o que, para mim, é uma tarefa realmente complicada. Antes, procurei abstrair as considerações sobre a morte de Sérgio (decidi chamá-lo por seu nome, não por “assaltante”, “criminoso” ou algo do tipo). Bem, como ia dizendo, as considerações sobre sua morte estavam sendo feitas em tempo real dentro de minha casa. Meus pais e irmãos comentando, ou melhor, comemorando a ação da polícia. Eu evitei passar pela sala para que ninguém pedisse minha opinião, pois ela, invariavelmente, gera polêmica. E me faltava paciência para discutir naquele momento. Aliás, faz tempo que me falta paciência para debates do tipo.

Estava conseguindo levar um dia calmo, livre de problemas, até que esbarrei com dois conhecidos na rua. Eles comentavam, com fervor, que a cena do boné de Sérgio voando no momento do tiro havia sido uma das mais bonitas a que haviam assistido na vida. Confesso que tive espamos musculares na hora. Foi necessária uma altíssima dose de autocontrole para não começar a esbravejar o que penso com considerável dose de estupidez. Obtive sucesso e consegui ficar quieto. Até agora, pelo menos, quando resolvi escrever para liberar minha implicância com grande parte da sociedade. Às vezes, um pouco de misantropia faz bem.

Só que a minha misantropia é, ou, pelo menos, tenta ser democrática, ao contrário da que manifesta a classe média brasileira, da qual faço parte. Existe um maniqueísmo quase doentio em nossa sociedade, e é ele quem me causa profunda irritação. É preciso encontrar um inimigo. No nosso caso, o inimigo é o tráfico de drogas e tudo o que dele surge como conseqüência. É comum ver a mídia e as pessoas falando em “gente de bem”. Quem é de bem trabalha, não usa drogas, não rouba e não trafica, além de possuir alguns outros predicados. E quem não é de bem é o quê? Não precisa muita esperteza para concluir que a criminalidade e a violência urbana sejam resultado principalmente de uma forte e covarde desigualdade social. Não se trata de defender a delinqüência, mas de entender a razão pela qual ela existe. E de não naturalizar o bandido como um inimigo a ser combatido e exterminado. Porque o inimigo não é a violência que começa basicamente nas comunidades pobres. O inimigo é a violência da não-educação, da indiferença e da falta de emprego. O inimigo é uma sociedade estruturada de um jeito, digamos, torto, que jamais poderá “dar certo”.

E então o leitor me pergunta, com razão, o que fazer com a criminalidade, como punir, enfim como resolver o problema. E eu respondo categoricamente que não faço a menor idéia. Se nem Foucault, que concluiu que o Sistema Penal, tal qual ele é, jamais irá funcionar, eu, que nem a graduação concluí ainda, não tenho nada a sugerir. Só não acredito que haja uma linha divisória entre “gente boa” e “gente má”. E não consigo entender como uma pessoa que acredita que esta divisão exista e que se considere no campo da “gente boa” tenha um acesso de alegria assistindo à decolagem do boné de um homem que acabou de levar um tiro na cabeça. Não sei se a polícia teria outra solução. Talvez atirar fosse a única alternativa, apesar de discordar que houvesse necessidade de matar. De qualquer forma, não me sinto vingado ao ver um bandido, no caso, o Sérgio, sendo morto. É tão ruim quanto teria sido vê-lo explodir a granada. Aproveito para lembrá-lo, leitor: Sérgio também era um ser humano.

Quando tenho meus momentos de misantropia, ela se dirige a todos, sem exceção, com o perdão da redundância. Recuso-me a detestar uma classe em especial, pois isso seria de uma atitude de requinte quase sádico. Mais sádico ainda quando o pano de fundo é Brasil, país onde, historicamente, a delinqüência resulta das péssimas condições de existência. Foi assim nas senzalas, foi assim no cangaço e é assim que é nos morros e subúrbios cariocas. Mas a gente boa, “de bem”, continua sentindo êxtase vendo os que ela considera “de mal” sendo exterminados. Acredito que seja mais fácil assim: a existência se torna confortável se naturalizamos uma parte que desanda da sociedade, seja lá por qual motivo, como algo a ser combatido e erradicado.

Perdoem a acidez. É que o boné de Sérgio Pereira Pinto Júnior me fez lembrar o boné de Pedro Bala, o capitão da areia de Jorge Amado. E minha misantropia se acentua quando constata que, 72 anos mais tarde, o drama ainda é exatamente o mesmo, assim como a nossa sociedade. Novamente, perdoem a acidez.
Bertholdo

Gente boa

Cerca de alguns anos conheci um cara que eu chamaria pelo termo “gente boa”. Isso faz aproximadamente uns sete anos. Quando o conheci, obviamente, era mais tímido e não demonstrava confiança alguma a mim. Não se aproximava muito, normalmente não demonstrava emoções; só se manifestava para pedir alguma coisa. De fato, como esperar que alguém que acaba de chegar ao seu cotidiano já confie inteiramente em você?

Com o tempo se revelou um grande parceiro. Mesmo em tempos difíceis, daqueles que desanimam qualquer um, ele não saía do lado. Fosse chuva, ventania, sol forte, ele não arredava o pé de seu posto! Seu único ponto fraco eram os raios e trovões, o que nunca teve vergonha de admitir. Mas, independente do medo, estava ao meu lado. Quando eu caía por alguma mazela selvagem, era certo que até na enfermaria ele faria questão de estar.

E companheiro de guerra que se preze sempre tem história pra contar né? Lembro-me quando ele foi atropelado e tive de carregá-lo no lombo selva adentro até chegarmos ao acampamento. Houve outra vez em que o fizeram de refém e, para salva-lo, tivemos de traçar um plano de resgate audacioso, onde acabamos perdendo dois soldados. Sem esquecer de quando tivemos que iniciar operações de busca na selva porque ele havia se perdido; quando foi alvejado nas costas e tivemos de operá-lo para retirada do corpo estranho; ou quando, juntos, percorremos e mapeamos toda zona de batalha próxima ao nosso acampamento.

O engraçado é que com o tempo fica muito fácil saber das reações de um cara tão presente assim. E confesso que não levei muito tempo para começar a reconhecer suas atitudes. Sempre de poucas palavras, quando abaixa uma sobrancelha e move uma orelha, é dúvida. Estranhamento e curiosidade significam apenas uma franzida na testa, aí é uma questão de interpretação. Normalmente a curiosidade é seguida de uma mexida nas orelhas, mas não é sempre. Felicidade significa olhos esbugalhados e uma leve “sorrisada”, porque eu não consideraria o sorriso dele um sorriso de tão irrisório. Quando a empolgação é muita parece até que tem Parkinson de tanto que treme e chacoalha. Ainda mais com suas bochechas grandes, estas expressões acabam ficando engraçadas quando as identifico.

Não há exatamente como definir o que esse cara significa pra mim. Não só um amigo, um parceiro, mas também um irmão, um filho. Como já disse, ele é de poucas palavras, e admito que a maior parte de nossas conversas são telepáticas. Mas fazer o que? Quando sento e acendo um cigarro para pensar ele senta ao meu lado e não diz nada. Não precisa dizer. E olha que dizem por aí: gente boa, gente boa... gente mesmo não é boa nada. Bom mesmo é meu fiel escudeiro Sargento.
Rambo

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Gente boa

Eu conheci ele aos 15 anos. Naquela época, quando as pessoas ainda dançavam juntinhas musica lenta nas festas. O nome dele era Carlos Eduardo, mais conhecido como Kadu pela turma. Com 1, 64 de altura, ele até conquistava o coração de algumas menininhas, mas o meu não. Moreno, magrinho e bem chatinho. Tinha algo nele que eu não suportava, sabe quando o santo não bate?! Mas o que mais me intrigava em tudo isso é que quando estávamos falando sobre ele, sempre vinha alguém e mandava, Que Kadu? Ai eu, O mala! Ai a pessoa, Ah que isso, ele é gente boa! Como assim gente boa? Ele era um mala isso sim! Era aquela pessoa que quando te via, já vinha abraçando e dava um beijo no rosto. Só que dar um beijo no rosto para ele era beijar na trave. Ai como eu odiava isso! Ou quando eu estava fazendo a lista da minha festa e vinha a minha melhor amiga e falava: Convidou o Kadu? Ai eu, Qual Kadu? O mala? Ai ela, Ahh que isso ele é tãoooo gente boa. Cara, fala sério? O que é ser gente boa para as pessoas hoje em dia? Todo mundo é gente boa?! Quer dizer todo mundo pode ser, mas o Kadu não! Ele não pode, ele é um chato, que se acha seu best, mesmo te conhecendo a apenas uma hora. Tive que conviver com esse meu “suposto” amigo por muito tempo, quase toda a minha adolescência. Ia ao inglês, ele tava lá. Ia em um churrasco, ele tava lá. Ia nas olimpíadas da MINHA escola, isso mesmo, ele não estudava no mesmo colégio que eu, e ele tava lá! AHHHH! Ele era onipresente, nunca vi uma pessoa estar em todos os lugares ao mesmo tempo! Meu deus, ele me persegue! E quanto mais eu via o Kadu, mas raiva eu tinha dele! Eu não sei o porquê de tanto ódio. Realmente, ele nunca tinha me feito nada. Mas a presença dele me irritava. Não conseguia passar alguns segundos perto dele, porque ele sempre vinha com aquela voz mole de eu sei seduzir. E eu pensava: Não, você não me seduz nem um pouco! Conversava, disfarçava e sai correndo para bem longe. Acho que esse era o maior problema dele, faltava senso. Porque cara, quem não percebe quando uma pessoa atravessa a rua para não falar com você e, mesmo assim, você dá aquele berro do outro lado só para chamar a atenção da pessoa?! A resposta você já imagina?! Sim o Kadu, ele não percebia. Na verdade, ele não tinha percepção de nada. Depois de uns quatro anos disso, desisti! Ele me venceu! Não agüentava mais essa situação de me sentir a única pessoa no mundo que não gostava do Kadu! Resolvi parar de evita-lo e quando menos esperava já conseguia manter um papo de um minuto com ele. Recorde, claro! Comecei a perceber que o problema era meu! Eu que era uma pessoa insensível e não via o quanto legal era o Kadu! Eu que era uma bruxa, uma vaca, uma invejosa! Mas o melhor de tudo isso foi que percebi que a ironia sempre esteve na minha vida: Fala sério neh gente, ele é tãooo gente boa!
Vivianne Medeiros

Gente boa

Nada mais comum nesse mundo, ou em qualquer outro, do que um gente boa.

Difícil dar uma volta no quarteirão sem topar com um legítimo exemplar dessa ordem. Gente boa não quer profundidade, nem tem grandes projetos: ele é o que ele é.

Perdoem, meus amigos, a tautologia, mas gente boa não admite comparações. O que seria o oposto de gente boa? Gente má? Definitivamente não. Atenção! Falta leveza a qualquer concorrente que ouse se apresentar... Gente boa é alguma coisa auto-suficiente, não precisa do outro.

Gente boa não quer nada além do que ele traz: frescor. Gente boa não é juiz, nem réu, nem lobo nem vovozinha. Permitam fazer dele um funâmbulo, que percorre a linha que liga o paradoxo ao nada.

Gente boa pode ser o ladrão da esquina, basta ele devolver o seu documento. Apesar do susto, foi gente boa.

Nenhuma contradição machuca um gente boa, ele requer boa dose delas. Gente boa nunca tem ideologias. Cazuza foi um registro exemplar, quis deixar de sê-lo: fracassou. Nem o maior dos poetas conseguiria livrar-se de tal fardo.

Ninguém: pobre, rico, santo, assassino, escapa do fato de em algum momento ter sido um... gente boa. É isso o que nos justifica.

Gente boa não merece ser escrito, nem dito pessoalmente. Gente boa está sempre em terceira pessoa. Nunca anda conosco.

– Tá vendo aquele sujeito?

– Não.

– Então, ele é muito gente boa.

– Concordo.

A coisa mais parecida com um gente boa que eu já vi foi o ovo da Clarice. Se bem que este carrega um mistério, oculta poderes. O nosso objeto não: gente boa é sempre um legítimo gente boa. Não se pode ser mais ou menos.

Gente boa não precisa de qualidades. É capaz de boas atrocidades. E isso justifica a violência que tantos outros gente boas nos divulgam.

Ser gente boa exige apenas uma condição: que antes seja gente. O meu cachorro é muito gente boa. Porque alienado como todos nós.
Jean Baptiste

Gente boa

“Fulano é bacaninha! Muito gente boa! Muito legal!” Essa é a frase que ela diz sempre que me apresenta alguém que eu não conheço. Ela também é muito gente boa, gente fina. Sempre sorrindo e cantarolando. Sempre conversando e brincando porque “a vida é muito dura e a gente tem que rir e brincar pra aliviar o estresse e esquecer os problemas”.

Como mora longe do trabalho, acorda cedo para chegar cedo, arrumar as coisas e deixar tudo em ordem. “Eu odeio bagunça! Vai que alguém importante chega aqui!? Vai pensar o quê!? Que eu sou uma porca.” E, mesmo sendo uma das primeiras a chegar, sempre sai tarde para não pode deixar de atender ninguém.

O pessoal de lá “se amarra” nela. Não só pelo trabalho que ela faz lá, mas também por sua sinceridade, por seu jeito carinhoso e sua atenção. Conhece todos pelo nome (até os novatos) e sabe o que cada um gosta ou desgosta. Chega silenciosa e discreta. Muitas vezes só percebemos sua passagem quando vemos o pedido em cima da mesa. Às vezes chegamos e o pedido costumeiro já está lá, esperando pela nossa chegada.

“Tá muito difícil conseguir emprego hoje e eu que não vou dar mole”. Por isso, enquanto trabalha ela se mantém séria. Mas lá na salinha onde fica ela pode relaxar: brinca com um, conversa com outra, marca uma saída com a terceira. É lá que ela recebe os colegas para bater um papo, conversar. Lá ela se sente à vontade para falar o que quiser (“mas nunca da vida dos outros”) e para vender Avon, Natura, Hermes, DeMillus... (“pra ter um dinheirinho por fora”)

É daquelas pessoas que saem falando e quando você percebe já sabe tudo sobre a vida dela. Em um mês trabalhando lá, descobri que ela teve um filho quando tinha 19 anos, depois disso casou de novo e teve mais um casal de filhos; já foi traída pelo marido atual, mas continua com ele afinal “ele é pai dos meus filhos”; já teve um amante... e gosta da sogra mais do que do marido. Adora um pagodinho, mas não bebe porque, pelos cálculos dela “com o dinheiro que ia gastar comprando cerveja, eu pago a prestação de alguma coisa pros meus filhos”.

Mas afinal de contas quem é ela? A copeira do meu trabalho, verdadeira “gente boa”.
Mônica Sampaio

Boa gente

- O que você quer da vida?

Levantei a cabeça.

- O que?

Segunda Chance.

- O que você quer da vida?

Pensei, pensei, pensei. Carros, mansões, sucesso, poder, mulheres. Vazio.

- Ah, muita coisa. – respondi.

- Você acaba de perder 10.000 reais!

- O que?!

- Você perdeu.

Então percebi o microfone na mão daquele homem que me indagava sobre os desejos da minha vida. Surgiram duas câmeras erguidas por outros homens de crachá.

- Não foi essa semana, pessoal. Fique de olho aberto, o próximo poderá ser você. Corta!

Levantei e caminha apressadamente até o homem com o microfone.

- Não entendi. O que aconteceu?

- Você não assiste à televisão?

Ele esperou minha resposta, mas eu nada disse.

- Somos do programa que realiza seus desejos. Basta você dizê-lo.

- Qual é o programa?

- Oras... Tenho que ir.

Entraram num carro e partiram com todo equipamento.

Eu realmente perdera a chance de ganhar dez mil reais? Estava apenas sentando num banco de praça lendo o jornal. Então respondo para mim mesmo o que eu devia ter dito:

- Sorte.

Nunca tive sorte na vida, as oportunidades apareciam todo momento, mas para eu alcançá-las era quase impossível. Acredito que tudo começou com meu nascimento. Cesariana, sete meses de gestação apenas, algo deixou de ser formado em mim, talvez, algum gene da esperteza, ou da sorte, ou do sucesso. Nunca ganhei na Lotomania, Lotofácil, nem na raspadinha. Meus cupons de embalagem nunca foram sorteados e, para finalizar, nunca tive o prazer de gritar: Bingo!

Porém, não sou um azarado. Nunca caiu um armário no meu pé, nem cocô de pombo na minha cabeça. Pensando bem sobre esse assunto... existem várias coisas na minha vida que eu desejei e nunca obtive, mesmo com a oportunidade na minha frente. Na escola, por exemplo, nunca consegui ser o orador da turma, sempre tinha um cara que falava melhor. No time de futebol, a mesma coisa. Eu jogava bem, mas a braçadeira de capitão nunca chegou perto de mim. Eu era esforçado, tirava boas notas, mas nunca as melhores da turma. Se me recordo bem, nunca ganhei um sorteio.

Na época do vestibular a mesma tortura. Aqueles malditos centésimos e milésimos me afastaram da minha desejada vaga em Comunicação Social. Eu era o primeiro na fila de espera da reclassificação e continuo lá até hoje, porque nenhum infeliz desistiu e abriu uma vaguinha para mim. Então, segui a carreira das Letras, esta eu conseguir passar sem depender da sorte. No mercado de trabalho, então nem se fala, foram análises de currículo, dinâmicas, entrevistas e mais entrevistas. Falo três línguas, estudei numa das melhores universidades do país, mas tudo que eu consigo parece medíocre comparado aos meus amigos. Se, por acaso, eram apenas dois candidatos, eu e outra pessoa, certamente a outra pessoas ocuparia a vaga.

Após o episódio na praça me convenci de que eu não podia contar com a sorte para nada e as oportunidades não significam nada além de chances perdidas. Talvez eu seja uma pessoa pessimista e a sorte não gosta de pessoas assim. Passei uma semana pensando no ocorrido me culpando pela estupidez e etc. Procurei o tal programa na televisão e não achei nada parecido. Minha namorada e meus amigos tão pouco sabiam. Claro que não lhes contei sobre o evento na praça. As minhas estupidez e burrices eu guardo para mim.

O destino gosta de brincar com a gente. Não foi que eu encontrei nesta bendita semana de reflexão, com o tal cara do microfone num restaurante. Primeiro duvidei. Depois decidi confiar na minha memória. Era ele. Não pude me controlar, tive que ir até ele falar alguma coisa. Ele era o culpado de eu estar questionando todo minha vida.

- Com licença, senhor.

- Sim?

- Gostaria de conversar com o senhor.

- Estou a almoçar. Mas digas o que queres.

- Posso me sentar?

- Quem és tu?

- Eu quero saber quem é você.

- Assim fica difícil.

- Sou o cara que perdeu o prêmio semana passada.

- Ah, sim. Isso, às vezes, acontece.

- Mas acontece comigo sempre. A chance está bem na minha frente e eu a perco.

- Você é uma pessoa pessimista?

- Talvez.

- Você faria alguma trapaça para conseguir essas oportunidades? Mentiria ou omitiria informações relevantes?

- Não sei. Acho que não.

- Então, Você é boa gente.

- Como assim?

- Você tem uma namorada?

- Sim. Cecília.

- O senhor diria que ela é bonita?

- Claro!

- Linda e estonteante?

- Hum... ela é bonita, mas...

- Mas existem outras bem mais bonitas e você as conhece. Então você é boa gente.

- Não entendo sua lógica?

- Já traiu sua namorada?

- Não! Aonde você quer chegar?

- Foi você que me disse que não consegue nada na vida. Onde você mora?

- Tijuca.

- Qual foi a coisa mais importante da sua vida?

- Viajei com para os Estados Unidos há alguns anos.

- Boa Gente!

- Que merda ficar me chamando de Boa Gente!

- Você não mora no subúrbio e nem na Zona Sul. Você não namora Luana Piovani, mas também não está a misere. Seu trabalho não é braçal, porém não é um líder. Você nunca construiu algo grandioso, mas tem alegria.

- Não entendo. Quer dizer que sou gente boa porque não sou um homem poderoso e nem um completo fudido?

- É assim que a gente define na mídia, na verdade, na vida. Você não vai aparecer na mídia porque não fará nada de grandioso. Por outro, não fará nada muito besta. O grande empresário e o assaltante aparecem. Você não.

- Minha vida é nada?

- Para você não. Nem para os que estão próximos de você. Afinal, você é boa gente.

- Que raios de definição maldita essa!

- Você não será invejado e, portanto, não será odiado. Mas também, não será adorado. Espere, ao menos, ser esquecido.

- Que versão triste da minha vida.

- Não tem nada triste na minha lógica. Você é o número 8.

- Oito?

- Aquele que sabe um pouco mais que os outros. Mas não é tão competente para chegar a nove, dez....

- Você nem me conhece.

- ...aquele que todo mundo cumprimenta na portaria, mas esquece de convidar para festa.

- Chega!

- Você é a média. Grande média da população mundial...

- Não quero mais saber.

- Então o que queria?

- O programa realmente existe?

- Claro que existe.

- Quero uma segunda chance.

- A lógica do programa é o inesperado. Não temos acordos. Procuramos alguém na rua com a cara do programa, o interpelamos e damos o que a pessoa desejou, através de uma quantia em dinheiro. É apenas um quadro.

- Meio besta, não?

- O público gosta.

- Qual o nome do programa?

- Boa Gente.

Me levantei e fui para casa determinado a terminar o meu romance esquecido há anos. Agora ele vai virar best-seller.
Raposa do Pequeno Príncipe

Gente boa

É interessante ver o como virou “modinha” as pessoas escreverem e demonstrarem sua indignação sobre a era de banalização do amor que estamos vivendo.

Quase sempre recebo um e-mail sobre o assunto, escuto conversas nas ruas sem contar dos inúmeros convites que recebo para participar de comunidades do Orkut com o título “Eu te amo não é bom dia”, que por sinal é a frase favorita dos mais engajados na luta contra essa banalização.

Inicialmente, gostaria de lembrar que é óbvio que “eu te amo” não é “bom dia”. Caso contrário, só amaríamos as pessoas pela manhã, quando na verdade sabemos que ainda costuma-se amar mais a noite.

Calma gente, eu sei que no comentário acima eu levei a frase muito ao pé da letra. Sei muito bem que ela é uma metáfora sobre fato de ultimamente as pessoas falarem que amam qualquer um, “quase” da mesma forma que, dão “bom dia” para inúmeras pessoas desconhecidas.

Gostaria de ressaltar que é “quase da mesma forma” uma vez que nunca vi nenhuma pessoa sã sair dizendo “eu te amo” para o padeiro, o leiteiro, o porteiro e o balconista da farmácia da mesma forma que educadamente dizem “bom dia” para essas figuras do cotidiano. Ou seja, acredito que você pode até duvidar se o que a pessoa sente é amor ou não, mas pode ter certeza que existe um mínimo de admiração, da arte da pessoa que sente pele pessoa merecedora de tamanho afeto.

Um exemplo disso é amor que fãs sentem por seus ídolos. Muitas vezes as fãs nunca viram seu ídolo pessoalmente, nunca conversaram, mas conhecem sua história de vida, admiram sua personalidade e por isso gritam sem nenhum pudor seu sentimento de amor para todo mundo.

Não sou defensora de nenhum movimento ao estilo “vamos amar desconhecidos”; simplesmente eu prefiro não julgar se as pessoas realmente amam ou estão falando por falar. Acho muito complicado medir a intensidade do sentimento alheio e por isso, prefiro não condenar ninguém.

Além disso, não vejo tanto problema ao ver palavras de amor sendo ditas ao léu. Levando em consideração o raciocínio do jogo do contente, antes palavras de amor do que palavras de ódio.O que importa é ver ela sendo dita em um bom sentido, para pessoas que de alguma forma merecem.

Porém, existem outras expressões de carinho, palavras que deveriam ser utilizadas apenas para pessoas que gostamos (independente da intensidade) sendo usadas como eufemismos e/ou desculpas, e isso muito me preocupa.

Um grande exemplo disso é um dos diálogos mais utilizado nas boates:


Cena 1 : Homem acha mulher bonita e tenta lhe dar um beijo.

Cena 2: Mulher foge do beijo.

(Homem) - Você não achou me achou bonito?

(Mulher) - Ah.. você é gente boa mas....



Na situação acima, a mulher nunca viu o cara e as únicas palavras que escutou dele foram “Você não achou me achou bonito?”. Sendo assim, eu me pergunto sobre quais argumentos ela pode afirmar que ele é gente boa?

É nítido que ela só falou isso, pois não teve a coragem de dizer que ele é feio ou então porque precisava de uma desculpa para não beijá-lo. Ou seja, ou utilizou como um pretexto ou como um eufemismo.

Antigamente, “gente boa” poderia ser tanto aquela pessoa que você conhece há anos, quanto aquela que você conhece há um dia, mas que tem um papo bom, bom humor e que te cativou.Dava orgulho ser tachada como “gente boa”.

Já, hoje em dia, quando me chamam de gente boa já suspeito que ou estão me chamando de feia, ou então estão fazendo um comentário do tipo: “até que ela é gente boa...”.Deu para perceber que essa mudança se sentido faz a gente começar a duvidar dos melhores dos elogios ?

Longe de mim, querer fazer um manifesto sobre a banalização do “gente boa”,até porquê em momento algum acho que o problema que ocorre com ele seja esse.

Ele de fato esta sendo utilizado de forma trivial, mas como falei acima não vejo problema nenhum nisso. É uma qualidade boa sendo disseminada. Quem dera todas as pessoas do mundo fossem “gente boa”.

O grade problema, na minha opinião, é ver uma característica tão bonita sendo utilizada de forma tão negativa.
Vento

Gente boa

Homem tem que ser bonito ou gente boa? O questionamento filosófico de evidente profundidade não poderia ter saído de outro lugar senão do site da revista Capricho, o Alcorão do mundo teen. Melhor do que a pergunta capaz de mudar o rumo da humanidade e definir, por exemplo, o futuro de Manuel Zelaya em Honduras, são as respostas das gurus-semideusas identificadas por “Meninas da República Capricho”.

Apesar da clara irrelevância do tema, aposto que estão ansiosos para ver o que pensam as Meninas da República Capricho, inquestionáveis doutoras no assunto! Vamos lá!

Mary Anjos é ambiciosa: “Os dois!”, responde baseada na teoria do Tudo é Possível. E complementa com a vertente do Valor dos Valores. “Mas o caracter(sic) importa bem mais que a beleza”. Confesso que não entendi a presença do “c” antes do t. Deve ser alguma variação linguística ou algum código que minha idade avançada não me permite compreender.

Vamos à próxima acadêmica. Isadutra é a principal estudiosa da Convergência de Qualidades. Em sua tese de mestrado na Universidade Federal Fluminense, ela concluiu que beleza e “caracter” podem habitar o mesmo ser. Além disso, rapazes que não unem as duas virtudes em um só corpo estão fadados ao insucesso com o público feminino! Com singular brilhantismo, ela justifica que uma coisa perde o valor sem a outra:

“Os dois, né? Não adianta ter um rostinho bonitinho e num ter um papo legal, né? E pow, aquele carinha que é super gente boa, mas é feio também não dá pra levar, né!”

Já Caamila (com dois “as” mesmo), baseia-se no estilo Parnasiano. Em sua tese de pós-doutorado, ela prova que o culto à forma em detrimento ao conteúdo também se aplica ao universo masculino. A membro do Conselho Capricho testemunha que a conjuntura mundial a fez mudar de atitude quanto à escolha do homem:

“Antigamente eu escolhia a pessoa por ser gente boa, mas infelizmente aparência conta muito hoje em dia, né. Desencanei então. Agora, é só pegar um bonitinho e aí está tudo certo!”

Vitizanotto e Stéfanie trabalham juntas na linha da Relatividade. Após cinco anos em Sorbonne, na França, elas concluíram que a decisão entre "bonito e gente boa" é definida a partir das intenções (más ou não) da mulher. Resumindo a tese de 300 páginas: se for para ficar apenas uma noite, é obrigatório que o cara seja bonito, mas se há pretensões de um relacionamento duradouro e sólido, ele tem que ter conteúdo e, principalmente, ser gente boa.

“À primeira vista, claro que tem que ser bonito. Mas pra ter algo mais sério com o cara, beleza não é o ponto mais importante. O menino tem que ser gente boa. Nem precisa ser bonito!”, lembra Vitizanotto.

A única da república a defender pensamento diferente foi AnneLayse. Ela estpa no terceiro ano do curso técnico de “Como fazer a sociedade aceitar um namorado feio”. Fontes revelam que ela é conhecida como a hipócrita da academia.

“Gente Boaa sempreeee. Não me importo com beleza exterior”

A análise mais coerente, ao meu ver, vem da Pritt. Ela demonstrou mais habilidade do que as companheiras e foi a única capaz de resolver a problemática. A principal linha da moça de apenas 16 anos é o estudo do francês Antoine Lavoisier, que, na Lei da Conservação das Massas, mostra que “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

“Não dá pra ter os dois? Cara, prefiro bonito então! Aí eu deixo ele legal. Porque pegar feio é triste demais, hein?

Depois dessa resposta aposto que a próxima enquete da revista Capricho vai ser “Como deixar aquele homem feio legal?” Meninas, comecem a estudar e preparem suas colocações. A bibliografia completa está em www.capricho.abril.com.br.
Teo Versiani

domingo, 27 de setembro de 2009

Gente boa

Mário se mudou há 10 anos. Chegou vestido de maneira simples; jeans surrado e camiseta herdada da campanha política de 1997. Seus cadarços estavam desamarrados e seus pés eram arrastados em um compasso ritmado e monótono. Deixava tudo para trás e iniciava vida nova; seu tudo era pouco, mas ainda assim o desapego provocava estranheza. Não mais do que os olhares da vizinhança: intimidantes, desconfiados e apreensivos com a chegada do forasteiro. Mário escondeu o rosto e abaixou a aba do boné.

As paredes de concreto áspero da construção escondiam um microcosmo cujas engrenagens operavam de maneira curiosa. As janelas dos quartos emolduravam o pátio de grama maltratada, alguns bancos e uma única trave de futebol. Havia um certo equilíbrio harmônico, interrompido por freqüentes discussões entre desafetos. Durante os confrontos de seus vizinhos de porta, Mário preferia manter-se imparcial. Apoiava-se no peitoril da janela, dava três voltas no quarto e cantarolava um samba antigo para abafar os insultos e ameaças vazias. Sua resolução máxima era ser invisível.

Levava uma vida regrada, sem excessos de álcool, drogas, alegria e demais entorpecentes. Era fiel aos seus horários. Levantava, impreterivelmente, às 7h, vestia as roupas limpas recém-chegadas da lavanderia e ia trabalhar. Mário vivia de pequenos serviços de carpintaria. A remuneração era ridícula e insultuosa para a maioria dos servidores, mas ele gostava de ter uma razão para se levantar e vestir suas calças.

Logo após se mudar, conheceu Jorge e Pedro, com quem partilhava o interesse por baralho e cigarros. Passavam tempo sentados nos bancos, assistindo partidas de futebol de uma só trave. Jorge era um sujeito alto, de cabelos crespos. Havia uma seriedade solene em seus olhos pretos vazios. Carregava a foto de uma mocinha pálida no bolso da camisa; Mário a havia batizado secretamente de “Branca”. Em suas reuniões diárias, Jorge nunca mencionava Branca e Mário também nunca perguntava. Mesmo em 10 anos de convivência, não tinha intimidade para tal. Seus assuntos se resumiam a histórias despretensiosas do passado, esportes, fumo e mulheres. Mas não aquelas cujas fotos são carregadas nas carteiras; só as que exibiam seus dotes em capas de revistas. Já Pedro, negro de sorriso amarelo, gostava de vangloriar-se por seus trambiques e falcatruas. Era o mais velho dos três e morava lá há Deus-sabe-quanto-tempo.

Almoçavam juntos a comida de Dona Glória e Dona Lígia. As senhoras e seus ajudantes cozinhavam para uma boa quantidade de pessoas e não tinham muito tempo para preocupar-se com qualidade e variedade. A comida quase sempre era uma mistura irreconhecível de arroz, feijão e uma carne qualquer, batizada carinhosamente de “grude”. Mário devorava com gosto. Jorge mexia o garfo relutante. Pedro lambia o prato. Os três despediam-se com um aceno cúmplice e voltavam para seus quartos.

À noite, Mário jantava as sobras do almoço na mesma mesa. Fez isso durante 10 anos e, aquele dia, não era diferente. Um sinal tocou. Todos os homens ficaram de pé em um impulso coletivo. Mário olhou em volta, suspirou e balançou a cabeça pesadamente ao notar os homens vestidos de azul que orquestravam o grupo. Empurrou seu prato e lamentou o arroz intocado: gostaria de ter mais tempo. Sentiu uma pesada mão nas costas e levantou-se também. Cabeça baixa, semblante resignado. Foi escoltado até sua cela pelo guarda que lhe disse “boa noite” e fechou as grades.


Lúcia

Gente boa

Todos os Pedros que eu conheço são inteligentes e educadas. Os Gabriéis costumam ser confiáveis. Já os Rafaéis geralmente são divertidos. Quando me apresentam a uma pessoa pergunto logo o nome para tentar descrever seu perfil. Pode parecer neurose, mas para mim é como se o nome já definisse se eu vou me dar bem com a pessoa ou não. Costumo ter boas relações com Leandros e Caios. Dos Ricardos não gosto nem de chegar perto.

Certa vez conheci um Augusto, e aí está um nome que eu não sabia definir as suas características. Talvez porque esse não seja mais um nome popular, era comum na época da minha mãe.

Augusto: do latim dignidade, majestática, sagrado, sublime. Este foi o significado que eu encontrei na internet, mas na verdade, fiquei ainda mais confusa, afinal como seria uma pessoa sublime? Aquilo me deixava muito intrigada. Era a primeira vez que eu não conseguia traçar o perfil de uma pessoa pelo nome.

O jeito era me aproximar e ver o que acontecia. O Augusto fazia aulas de espanhol comigo e era o único homem, em uma sala com mais dez mulheres. Logo na segunda aula, quando a professora perguntou quem podia distribuir as folhas com um exercício, Augusto levantou os braços, como um fã da Cláudia Leitte durante um show, e gritou que faria aquilo com muito prazer. Prazer? Como alguém pode ter tanto prazer em distribuir um papel?

Os dias passavam e Augusto continuava indecifrável. Ele carregava as pastas de todas as meninas, corria para abrir a porta para a professora, sempre queria ler os textos da aula e até ajuda no dever de casa ele oferecia, mesmo sem conhecer ninguém direito. Quando você pensava: preciso de uma borracha! Lá estava Augusto com uma na mão para te oferecer.

Augusto era a pessoa mais prestativa que eu havia conhecido na vida. E aquilo em alguns momentos era chato. Às vezes você não precisava e não queria absolutamente nada, mas ele te oferecia um chiclete, perguntava o que você tinha comido no almoço.

Depois de um semestre tentando encontrar uma característica para o nome Augusto, cheguei a uma conclusão. Como não havia pensado nisso antes? Augusto era simplesmente “gente boa”. Todo mundo já conheceu pelo menos uma pessoa “gente boa” na vida. Vou explicar a expressão, porque muita gente pode não estar entendendo o que eu quero dizer com ela. “Gente boa” é aquela pessoa que não é sua amiga, às vezes nem sua colega, mas é prestativa, educada e um pouco chata. Augusto era exatamente assim. Ainda não sei se gosto das pessoas com esta característica.


Mel

Gente boa

Gente Boa era um jabuti muito legal. Foi adotado pela família quando o menor dos filhos ainda tinha três anos. No início, todos prestavam muita atenção a ele, no seu rebolado lento e sincronizado até as alfaces e aipos que lhe eram oferecidas. Era um jabuti muito calmo e tranquilo na sua juventude.

Assim batizado quando colocou sua patinha minúscula e enrugada na casa dos Pereiras, o gracioso jabutizinho era todo amores com a família, amigos e, principalmente, com as crianças. Todos diziam: “Cuidado para não deixá-lo muito perto do Dudu! Ele pode querer por suas mãozinhas nele e ele lhe arranca um dedo. Os jabutis gostam de morder.” Mas não foi assim. Tão logo ficou provado, empiricamente, que o animal não mordia de jeito nenhum, quem quer que fosse, apelidaram o réptil de Gente Boa por sua ótima conduta que transcendia sua essência biológica.

Mas Gente Boa mudou. Ele cresceu e virou um jabuti robusto adulto e começou a destruir toda sua boa reputação. Não se sabe bem ao certo quando ele se rebelou, mas deve ter sido a partir do momento em que Dudu não se chamava mais Dudu, e sim Eduardo. A família crescia e a tartaruga ia sendo esquecida. Já não recebia mais hortaliças e cafunés no pescoço pelancudo. Sua caixinha, que era sua casa, não era mais regularmente limpa e isso devia incomodá-lo profundamente. Por causa dos maus tratos, a falta de amor e compreensão da família, Gente Boa resolveu chamar atenção em um último ato esperançoso e desesperado.

Botou-se a correr desatadamente pela casa, correr no sentido de andar obstinadamente em passos de tartaruga, derrubando e roendo o que passava por perto. Eram mesinhas de centro e suas cristaleiras ornamentais, pastas e mochilas que eram largadas no chão, livros, revistas, pés de cadeiras e poltronas. Em menos de uma semana, o animal já recebia alguma atenção pelos seus atos delinquentes.

Imagino que Gente Boa estivesse satisfeito com o estrago e a atenção, porque voltou a se comportar. O engraçado é que atenção não voltou a diminuir e, ao contrário do que muitos possam pensar, o jabuti começou a ficar preocupado. Mais e mais vezes, escutava seu nome entre conversas da família e olharem deprimidos e melancólicos em sua direção. Os Pereiras estavam tomando uma decisão, provavelmente terrível...

Gente Boa ficava ainda mais preocupado a cada dia que passava e até parou de comer as recentes guloseimas que eram postas na sua casinha. Eles estavam querendo subordiná-lo com aquilo e ele não iria ceder! Além disso, a preocupação era tanta que ele tinha mesmo perdido o apetite.

Foi, então, que chegou o dia fatídico para o jabuti domesticado. Uma caixa relativamente grande, com alguns furinhos no topo e nas laterais, estava posta no centro da sala. Em cima, vinha escrito: MUDANÇA. Gente Boa não sabia ler, mas sabia o que era uma caixa com furos. Tratou logo de se acalmar e pensar no que iria fazer para fugir e não ser devolvido à loja de animais. Tentou pular da janela, sair pela porta dos fundos, mas sempre era recuperado a alguns passos do destino final.

Tentou fazer greve de fome e morder mais coisas. Inutilmente.

Nostalgicamente, Gente Boa começou a recordar do dia em que chegou e os olhinhos brilhantes de Dudu. Hoje, Eduardo tinha 25 anos e seus olhos não brilhavam tanto quanto antigamente. Ainda assim, volta e meia ele passava pela casa do jabuti pra lhe fazer um agrado, que foram reduzindo à medida que ele crescia. Gente Boa começou a se sentir deprimido. Afinal, estava conformado com seu destino cruel de abandono pela sua querida família. Só sentiu mesmo aquela pontadinha no seu coração de réptil por causa do descaso de Dudu.

No dia da mudança, Gente Boa foi resignadamente posto dentro da caixa. Com seu recipiente de água e comida, foi transportado com cuidado. Chegou a seu destino, preparado pra reencontrar alguns dos seus velhos amigos e outros animais mais novos. Mas não, não foi com a loja que ele se deparou. Foi com uma casa, recém pintada, com poucos móveis. Lá estava Eduardo e uma mulher, bem barriguda. Gente Boa não entendeu de primeira o que havia acontecido, mas tão logo nasceu Dedé tudo voltou a melhorar na vida de Gente Boa.


Wilma Dantec

Gente boa

E ela saía andando arrastando as sandálias. Sempre na mesma direção. Sempre depois de me dizer tudo aquilo que eu já sabia que ia ouvir. A mão no queixo, mãos na nuca, o monólogo fluía. Mãos diretas, me apontava os defeitos. Surpresa minha seria se não fosse assim.

Boa gente mesmo ela dizia que eu só encontraria se não quisesse, despretensioso. Gente boa era mais fácil e mais comum. Contava um, dois, três, oito. Parava sempre antes do dez, não gostava de números redondos.

Certas pra mim eram as tardes em que o sol batia de lado no telhado e eu sabia que poderia me perder. Fechava os olhos, comemorava sozinho e em silêncio. Festa demais poderia ser sonho, tristeza demais poderia ser treva.

A gente é bom mesmo enquanto presta, isso eu aprendi. Enquanto dá almoço na hora, traz café pela tarde e dorme cedo, com a lua. Se muda, se vira episódio de série americana, sai do auge do querer, tira o clima da emoção. Clara sempre me dizia que era assim que me queria – e que nenhum cabelo penteado pro lado errado e roupa rasgada iriam mudar isso. Repetia sempre o discurso da cadeira, dos passos e do perfume antigo. Todos de cór.

E eu que era esperto, rapaz bonito de jaqueta de couro, não pensava em cair nas falas de moça sincera. Ela me leva discreta pelo desvio dos olhos e me fazia feito boneco na mão de criança. Criança malvada, às vezes. Boneco feliz, sempre.

Era eu – e todos me confirmam – era eu que deixava que ela me moldasse. Era fácil ser alguém nas mãos de quem sabe o que quer que o outro seja. Não recordo momento algum de medo, ausência ou desilusão. Qualquer espaço vazio em mim se completava com a palavra da boca de Clara. Palavra de quem sabe dizer.

A boa gente por aí até hoje diz que uma morte estúpida e violenta não era digna de alguém que usava tão bem o tempo que a vida lhe dava. Sofrimento e dor não combinavam com alguém que passara a vida toda a andar sobre sorrisos.

Eu – eu mesmo - já não sei o que digo, mas não acredito em motivos concretos. Quem sabe esteja morto o ideal de boa gente de Clara, inatingível, utópico. Não sei, mas sei que eu não consegui alcançá-lo. Não devo ser “tão gente boa assim”. Desisti das tardes ouvindo e das noites pensando. Quero que Clara me leia e me entenda, é a alternativa que agora me resta. Já não vivo – não mesmo - e digam à Clara que morri.


Maria Sofia

Gente boa

Acho que preciso de umas férias. Algo no meu cabelo desgrenhado, nas minhas olheiras perpétuas e no meu humor intragável me diz isso. Meus olhos de ressaca não enganam nem mais ao velho bento da Capitu, preciso mesmo de um tempo. Umas férias do meu trabalho, da faculdade e até das minhas atividades de lazer. Pois acho que estou ficando louco, mas não posso ter certeza. Melhor mesmo é pedir ajuda.

Afinal, esse mundo lá de fora está cheio de depressivos, doidos varridos e pessoas medicadas com remédio traja preta de nível de terceiro Dan. Portanto, frenquentar um simples psicólogo hoje em dia é coisa de amador. É como ser o mais alto dos sete anões. Não é lá grande coisa. Se é que você me entende. Até porque, todo mundo sabe que esse papo de que tamanho importa é invenção do namorado da Branca-de-neve que adora fazer trocadilhos com seu calçado número quarenta e cinco.

Até aquele seu companheiro de trabalho sempre sorridente, de bem com a vida pode se mostrar um verdadeiro biruta (num estilo Britney Spears misturado com a menina Maísa do SBT), que já passou pelas mãos de todos os psicólogos e psiquiatras da região.

Foi o que aconteceu comigo numa quarta-feira cinzenta. Sentado em minha cadeira entediado com o que estava fazendo fui cutucado pelo meu vizinho de mesa. Ele me chamou para uma conversa, embora antes eu nem soubesse dizer como é sua voz, e se mostrou um verdadeiro conhecedor da linha Freudiana, Lacaniana e outras bem assustadoras de tantas sessões terapêuticas que já havia feito. Soube descrever minha aflição melhor que eu e me propôs algumas reflexões.

Ele sugeriu uma terapia do grito, alegando que uma simples análise não resolve nada. Tentei sugerir algo menos escandaloso como interpretação de sonhos ou me indicar alguns calmantes. Ele riu da minha tentativa e tentou mudar minha opinião para uma terapia em grupo envolvendo hipnose. Desesperado, consegui convencer ele a continuarmos numa simples conversa mesmo, antes que ele começasse a juntar o pessoal do trabalho. Mesmo que simples assim me ajudou muito. Principalmente por perceber que perto dele mina loucura é igual a uma cassação de deputado. Não oferece perigo algum.

Eu agradeci vislumbrado. Ele sorriu e me mostrou a última coisa que aprendeu com seus psicólogos. A cobrar. Agora ele passará uma semana de folga e eu fazendo carga horária dupla. Disse adeus as minhas férias.

Enfim, para ser gente boa... Boa da cabeça... Precisei de ajuda que virou a nova moda verão-primavera desse ano. Então fui ao divã como uma criança que vai até o Papai Noel na praça de alimentação do shopping e fiz o meu pedido. “Doutor, você tem que me tornar um cara legal”. Afinal, eu também sou normal. Uso óculos escuros a noite como todo mundo, tomo pílulas para enxaqueca, gastrite e dor muscular como todo mundo e tenho bons problemas como todo mundo. Problemas que me deixam na dúvida da minha saúde mental. Se bem que louco é justamente o cara que tem certeza de sua sanidade. De qualquer forma, se essa crise não terminar em suicídio ou casamento, eu vou ficar legal.


Jefferson Rocha

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O galo no meu Sabino

O diacho já era difícil: ler. Aquele bando de letrinha, tudu junto, coladinho, exprimido que nem fosse pau-de-arara no primeiro dia da colheita. O tal do texto então, vixe!, era pior. Mas o professor disse-que-disse que eu tinha que aprender mais de lê e escrevê pra conseguir a tal da aposentaduria. Eu não entendi direito não, mas o professô dotô falô que é bão, mas bão mesmo porque a gente ganha mermo sem trabalhar e eu não sou cabra de ficar recusando dinheiro assim que sobrando num tá...

Comecei e já fiquei cabreiro. O nome do “homi” era Fernando. Até aí, vá lá, porque o nome do pequinininho do seu João lá da obra também é. Mas depois tinha escrito lá: Sabino. Tinha, sim senhor que eu vi. Foi nessa aí que eu encasquetei. Sabino, cê sabe, lá na minha terra é um pé de planta assim amaralinho, meio vexado, miúdo, que quase num dá, mas não é que dá.

Agora onde já se viu dar um nome assim tão garboso desse, Fernando, e botar do lado Sabino. Vá lá que seja, aqui na cidade grande eu já vi uns nomes abirobados que só: as minha vizinhas lá em casa mermo, uma é Madeinusa, e a outra Chevrolete. Mas é da Silva. Da Silva eu conheço. Da Silva tem um monte que tem. Agora, Sabino? Resolvi que era miór deixar isso pra lá que eu ainda num tinha lido era nada.

“A laranja foi um dia inventada por um grande industrial americano, cujo nome prefiro”... Có-Có-Ricó!

Ta aí o galo. Logo no começo do meu Sabino. Se fosse uma, duas, vá lá, até umas cinco vezes eu tinha mareado e pronto. Mas o diacho do galo ficou cantando o tempo todo. Era eu abaixar a cabeça e o embestado começava:

“Fruta cítrica, suculenta e saborosa, ela começou sendo chupada às dúzias por este”... Có-Có-Ricó! Óie, e o pior é que ocê num acredita. Eu dô um doce pra quem adivinhar o nomi do professor. Filipi Pena. Eita, mas vai ter coincidência assim lá nus inferno!

“Com o correr dos anos o molecote virou moleque e o moleque virou”... Có-Có-Ricó! “Apaixonou-se pela filha do dono do”... Có-Có-Ricó!! Diacho, assim é que eu não vou sair do lugar. “Meteu-se em peripécias amorosas que já inspiraram dois”... Có-Có-Ricó! “Passou a vender laranjas. Como, porém”... Có-Có-Ricó!! “Pior foi a emenda que o soneto, no caso”... CÓ-CÓ-RICÓ!!!!!! ARRE, EU VOUDAR FIM NESSE GALO!

Antes de entregar o bicho ao Sete-Pele resolvi conversar com o maldito e pedir pra ele pará com essa apurrinhação:

- Ô seu frango, será que não dá pro senhor ir cantar de galo em outro lugar, não?

Mas não deu foi em nada, e eu que já tava fumando numa quenga resolvi de uma vez: o galeto ia morrer. Só faltava decidir como.

Primeiro, eu pensei no mermo que ocê: vou degolar o safado. Mas eu não tinha UMA machadinha que fosse pra contar história... Aí eu pensei então em esfolar o bicho. Mas ia ficar tudo breado e eu ainda ia ter que limpar.

Pensei em matar o desgraçado de rir, de susto e até de vergonha, mas isso ia demorar muito e eu ainda não tinha lido era nadica de nada. Tinha que ser uma coisa rápida. Por causa disso aí também que eu desisti de fazer um canja, se bem que a patroa até que ia gostar...

Eu quis dar um tiro, uma facada e até uma flechada no frangote, mas eu não tinha nem arma, muito menos arco-e-flecha. Tinha uma baladeira daquelas que você bota a pedra no meio e puxa, mas duvido que isso fosse dar cabo do enxerido. Ainda dava pra eu tentar afogá, queimá, enterrá e atropelá o bicho. Mas no fim, resolvi que, cabra macho que sô, eu ia era esganá o galo.

Saí e fui atrás dele. O fingido tava logo ali e num foi difícil de achar porque até sem eu tá mais lendo ele continuava dando uma de cantor. Olhei pro desgraçado e disse:

- Ô seu galeto egoísta dos diabos, ocê quer é acabar comigo! Por sua causa o professor vai ralhar com mais eu até cansar e eu num vô consegui aprendê lê nem escrevê. Num vo consegui minha aposentaduria, vo ficar burro, velho e pobre, sem um tustão no bolso, meus mínimo num vão ter o que comer e minha patroa é bem capaz de mi enxotar purque eu num presto pra nada. E o ocê nem se importa!

Óie, mas eu juro pelo meu santo Antônio dos cajueiro do rio são Francisco da Paraíba que di repente, num é que o bicho parou de cantar? Ficô me bisoiando com aqueles óio miudinhos assim que nem tivesse achado um milho no meio da terra e eu já que já tava era achando aquilo tudo muito estranho, num tinha idéia do que ia se suceder dipois. O tal do galo sentô ali mermo no meio do quintal,baxô o pesoço, colocô a cabeça no chã, abriu o bico e soltô assim baixinho que quase num deu pra ouvir:

- Có.

E bate a caçuleta. Vixe!


Lois Lane

A lingüiça dos primeiros socorros

A história a seguir é baseada em fatos reais, corriqueiros. Portanto, leitor, é melhor ficar atento... isso também pode acontecer com você. Tudo começou em um cursinho de primeiros socorros, desses que todo mundo já participou na vida, ministrado por um instrutor dos Bombeiros – normalmente gordinho e careca, pois os saradões nunca são escalados para dar esse tipo de curso. A turma estava lotada, enquanto o instrutor falava de como reagir em casos de corte ou perfuração seguidos de hemorragia. Nesse momento, eu já sentia náuseas e via estrelinhas coloridas na minha frente, sentindo que iria desmaiar a cada foto exibida no slideshow que o bombeiro levara para ilustrar os acidentes. Ao levantar-me para ir ao banheiro, uma senhora - que parecia ter seus 45 anos – levantou o dedo e parou a apresentação para contar seu caso real.

Respirei, voltei, sentei e resolvi ouvir aquilo tudo. A senhora descrevia um domingo em família, com o filho de nove anos em casa e o amiguinho dele, da mesma idade. O filho, João Pedro, e o amiguinho, Marcos, estavam como dois anjinhos assistindo um filme qualquer na TV, deitados no sofá e comendo inofensivas pipocas. Ela estava na cozinha, fazendo mais alguma coisa para eles comerem e, conforme contou, achava incrível o silêncio vindo da sala – pobre mãe, será que ela não imaginou que isso seria um futuro “problema”?

Meia hora depois, a mãe resolveu levar pãezinhos de queijo quentinhos para as crianças. Chegou na sala somente a tempo de ver a cena do crime: João Pedro e Marcos estavam brincando, em silêncio, de correr em volta do sofá, até que um deles esbarrou na mesa. Em cima dela estava o recipiente de vidro lotado de milho de pipoca, que caiu justamente na cabeça do amiguinho de seu filho. A histeria estava armada: Marcos chorava com a cabeça aberta e cheia de sangue e João Pedro gritava socorro – mesmo sem ter mais ninguém em casa.

Por um momento – e também por instinto – a mãe pensou no mais óbvio, no que você provavelmente pensaria. Foi até a cozinha procurar gelo para pôr na cabeça da criança, mas lembrou-se do que a empregada dissera no dia anterior: a máquina de fazer gelo estava com defeito - uma espécie de Lei de Murphy para ricos. Num ato desesperado, abriu o freezer e pegou a única coisa congelada que havia: uma lingüiça para churrasco. Isso mesmo, leitor, uma lingüiça congelada. Rapidamente, a mãe levou a lingüiça para sala a fim de estancar o sangue da cabeça do amiguinho de seu filho. Com a lingüiça na cabeça e mais tranqüilo por estar sendo remediado, Marcos pediu para chamar a sua mãe. Ao fim do desespero inicial, a anfitriã da casa e heroína do dia ligou para o hospital e para a mãe de Marcos, explicando toda a história e vangloriando-se por ter uma lingüiça salvadora. Uma semana depois, ela contava o ocorrido naquele curso de primeiros socorros, aconselhando todos a terem, pelo menos, uma lingüiça para churrasco reserva no congelador.


Jornalista

Resquícios de uma criança curiosa

Iniciando a série “Memórias da aurora da minha vida” vou dividir com vocês um dos mistérios que me atormenta há aproximadamente 15 anos.

Cresci em Niterói, gozei a minha infância nos anos 90 e me recordo que um dos diálogos mais ditos pelas crianças do meu prédio é este que segue abaixo:

“- Foda-se.

-Corroda-se.

-Senta no meu pau e se acomoda-se.”

Particularmente, eu não era muita adepta destas falas. Primeiramente porque sempre fui uma lady (leia-se criança chata e fresca) e não costumava utilizar de palavras de tão pouco nível no meu vocabulário.

O fato acima justifica o porquê eu dificilmente falava um “Foda-se” e consequentemente um “Senta no meu pau e se acomoda-se” uma vez que, pela lógica da brincadeira aquele quem começa dando fora e quem termina o diálogo.

Além disso, o trecho “e se acomoda-se” doía aos meus ouvidos e eu me recusava a repetir algo assim.

E por fim, eu não falava essas frases pelo simples motivo de que eu não tinha (e continuo sem ter) um pau o que impossibilitava que eu convidasse os meus amiguinhos a sentarem em cima dele.

Ok, tudo bem, este meu último argumento não é muito válido. Se eu realmente quisesse levar esta frase no sentido literal eu poderia utilizar o Denis – o vibrador de estimação de mamãe.

Mas enfim, o meu objetivo não é contar pra vocês todos os palavrões que aprendi a falar enquanto criança e muito menos contar as aventuras sexuais da senhora minha mãe com o Denis (o melhor padastro do mundo se é que vocês me entendem.)

O foco deste desabafo é compartilhar a maior curiosidade que tenho. Trata-se de uma dúvida totalmente sem fundamento, super banal, mas que nem o Google soube me responder.

Acreditem, eu já pesquisei várias vezes no Google, inclusive antes de começar a escrever este texto e nenhuma resposta foi encontrada.

Então meu caro amigo, caso você saiba que maldição significa “Corroda-se”, por favor, manifeste-se e deixe-me apreciar a sua sabedoria.

Por muito tempo tive vergonha de ter esta dúvida. Na minha infância eu jamais perguntaria o significado desta palavra, pois eu sabia que todos iriam rir de mim e da minha inocência. (Da mesma forma que riram, a não muito tempo, quando eu contei que achava que 4 por 4 da música do Mr. Catra era um carro com tração nas quatro rodas).

Mas um dia, resolvi me libertar desta vergonha e perguntei pra minha irmã mais velha que confessou que também não sabia. Fiquei pasma!

Esse dia foi o marco para minha libertação, pois foi quando eu percebi que eu não era a única que não sabia o que era “Corroda-se” e me senti na obrigação de pesquisar e divulgar a resposta tão logo eu a descobrisse.

Porém, como já dito acima, pesquisei... pesquisei...e de nada adiantou. Falhei nesta tarefa e recorro à ajuda de vocês universitários (ou não) para dar um fim a esta dúvida.

Tá, tudo bem, neste momento você deve estar com vontade de falar um “foda-se” pra minha dúvida. No entanto, te aconselho e não fazer isto, pois é essa palavrinha mágica que você pensou em dizer que desperta toda a curiosidade do meu ser.

Como já dito anteriormente, tenho total noção de que essa dúvida não propósito e do quão idiota posso parecer procurando significado para algo tão inútil. Mas nada posso fazer já que ainda há resquícios de uma criança curiosa dentro de mim e é minha obrigação saciar a dúvida que ainda não a deixa em paz.


Vento

Um homem para chamar de seu

É fato, já diagnosticado e comprovado. O mais importante das nossas vidas é com quem iremos nos casar. Nem adianta dizer que é a profissão. Porque não é. Quantos filmes você vê sobre pessoas que estão indecisas entre serem médicos ou artista plástico? Agora me conta quantos falam sobre encontrar a pessoa certa para se viver feliz para sempre? Então, a gente sabe que a vida real não é bem assim. Mas a ficção é o processo catártico dos nossos desejos. Não são apenas as mulheres que dão suspiros na frente da tela entre os beijos apaixonados de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet . Tudo bem, não é exatamente suspiro que os homens dão ao verem Scarlet Johanson se pegando com a Penélope Cruz, mas eles também têm seus sonhos românticos.

Existe uma coisa, que podem ter certeza, todos nós vamos ter durante a vida, e não é catapora, nem gripe. É a frustração amorosa. Quem nunca se apaixonou pela vizinha gostosona e tudo que conseguiu foi um “Bom dia!”, ou então, pelo professor do colégio e tudo que recebeu foi um “Muito bom”, por você ter respondido certo a questão. Bem é uma condição geral, nascemos, crescemos e temos correr para encontrar o ator principal da nossa história.

Tudo começa na infância, quando aprendemos que não existe amizade entre sexos diferentes. Pois, estamos brincando com um amiguinho, e nossos pais já começam com a ladainha: “Ohn... Olha o namoradinho dela, que bonitinho e blá, blá, blá...”. Assim, a gente começa a detestar os garotos, apenas para não passar por aquela pagação de mico. Mas a gente cresce e ocorre o inverso. Nossos pais afastam qualquer possibilidade de namoro até os 18 anos. Portanto, tenho a tese que a nossa vida, basicamente, consiste em nascer, sofrer, e se desesperar até conseguir um casamento. Estudos, trabalhos são apenas laboratório para aparecer bem na tela ao lado de um bonitão. No meu caso... Bem, terei que exemplificar por meio da minha história para vocês terem certeza que esta não é apenas uma hipótese, mas uma verdade comprovada cientificamente.

O percurso em busca do ator perfeito começa cedo. A gente passa a maior parte da nossa vida em papéis ridículos e contracenando com vários coadjuvantes. Ganhei o meu primeiro papel aos dez anos. Eu estava sentada na portaria do colégio, esperando o meu pai me buscar, quando o avistei. Cabelo em corte assa delta, pele branca e uma pinta do lado direito do lábio superior. Essas foram informações suficientes para eu me apaixonar perdidamente em segundos. Naquele dia, ao chegar em casa, corri para o meu diário e escrevi: “Não sei nada sobre ele, nome, idade ou endereço, mas estou completamente apaixonada pelo menino da pinta do lado direito do lábio superior”. E pronto, assim ficou registrado o começo da minha primeira e devastadora paixão. Que realmente devastou as minhas notas na escola, pois o dia que não estava sonhando acordada, eu passava o tempo tentando descobrir coisas sobre o tal rapazinho.

Primeiro comecei a segui-lo depois do recreio. Depois montei guarda onde colocavam as cadernetas, para descobrir a identidade da criatura que dominava as folhas do meu diário: “Eu amo o menino da pinta do lado direito do lábio superior. Eu amo o menino da pinta do lado direito do lábio superior,...”. Todo dia o inspetor olhava pra mim desconfiado e eu sorria. Às vezes, ele me olhava com as sobrancelhas já franzidas e eu dava sorrisinho bege. Roubar uma caderneta é como assaltar um condomínio fechado na Barra. Como atravessar a mesa de carimbos do inspetor? Um dia tive uma idéia. Fingi que ia amarrar o tênis e apoiei o pé em baixo da mesa e a forcei para o meu lado. Ela não se moveu. Coloquei mais força. Ela sacolejou. Saco! Meti a mão e virei tudo de uma vez no chão. Páááá. Inclusive, virei junto. Caderneta para todo lado, um inspetor furioso, e alunos rindo muito alto. Não me importei, afinal, era uma prova de amor. E eu consegui! Entre milhares de fotinhas de rostos feios no chão, lá estava a dele.

Agapito? Agapito Leite Troina Neto. 10 de agosto de 1976. Rua General Domiciliano Ramos, 171, Pau Ferro. Telefone: 2250.6969. Filiação... a caderneta voou da minha mão no momento em que eu ia anotar o nome da minha futura sogra. Fui mandada para sala de aula. Por que o indivíduo tinha que se chamar Agapito? Existe tanto nome bonito. Sempre sonhei em me apaixonar por Paulo ou Raul. Logo, as pessoas souberam da minha platônica paixão. Óbvio que as piadinhas surgiram, era: “fulaninha gosta de agarrar pinto” pra lá, “fulaninha gosta de leite do pinto” pra cá. Nome infeliz. Foram meses de embromação, eu morria de vergonha que ele soubesse que eu o namorava escondido. Mas, vocês se lembram da época de colégio, né? Ele ficou sabendo e tacou um baldo de granizo na minha cabeça. Palavras como pirralha, feia e sem peito ressoam na minha memória até hoje. Crianças são tão cruéis. Não acredito que levei um fora de alguém chamado Agapito. Terminou com muitas lágrimas e frases no meu diário, caderno e agenda: “Por que ele não me ama?”. A vida seguiu.

Não vou contar de cada frustração amorosa e pés na bunda que eu levei. Isso daria um filme de Woody Allen. Passei cinco anos sem querer saber do sexo aposto. Até que me apresentaram um roteiro muito interessante, não teve como recusar. Sinopse: Professor e aluna. Ele manda mensagens românticas, flores, telefonemas no meio da tarde, milhares de elogios e tudo para ganhar apenas um beijo. Você, a mocinha encantada, acredita que é irresistível e cede. Qual é a próxima cena? Você descobre que ele tem outra namorada. Há três anos. E no dia do aniversário dele, que ele quis passar com a família e não pode lhe ver, eles estavam viajando juntos. Final feliz: Eles se casam e você tem toda vida pela frente. Mais choros e postagens depressivas no blog.

Passamos por muitos coadjuvantes durante a história. Um deles era um cara que me amava desesperadamente, lambia meus pés, fazia o que eu mandava, me dava presentes a cada semana e metade do salário dele era direcionado a mim. Conclusão, eu o achava um panaca sem personalidade, o trai, e terminei com ele no nosso aniversário de seis meses de namoro. Comecei a sair com outro. Este não confiava em mim, não me pagava nada, reclama quando eu deixava de pintar as unhas e até de um fio desarrumado do meu cabelo. Uma espinha na testa! Me apaixonei perdidamente. Ele me chamava de egoísta, eu dizia que ele era um “cabeça-dura”. Ele trabalhava o dia inteiro e eu vivia nas chopadas da faculdade. Portanto, em seis meses, seis términos. Por fim, ele me trocou por uma mulher dez anos mais velha, engenheira e rica.

Nada mais de relacionamentos sérios e a minha idade aumentando. Minha mãe me mandava arrumar um homem. Eu comecei a olhar minha lista do MSN atrás de algum atrativo esquecido dos tempos da escola, nada. Lista do Orkut, entre mais de 500 pessoas, todos os coleguinhas bonitinhos tinham pendurado no pescoço uma patricinha com franjinha no cabelo. Frequentei boates e boates. Essa foi a época dos figurantes, você acaba aceitando qualquer papel, porque você não tem mais unhas e seu cabelo está caindo. Eles até ligavam no dia seguinte e marcávamos alguma coisa para o próximo fim de semana. Mas logo se perdia o interesse. Eu não ligava por orgulho. Eles não ligavam por que viam que não ia me levar para cama no terceiro, nem no quarto, nem no quinto encontro. Minha mãe já dizia: Quer arrumar namorado em festa? Só em festa de família. Na night, as pessoas só querem refeição para uma noite e a self-service.

Existe tempo pra tudo. Há tempo para você esnobar e o tempo de aceitar qualquer coisa que aparecer. Infelizmente para os homens as regras funcionam diferentes. Aos trinta anos estamos acabadas. Somos olhadas numa boate como espécie de animal nocivo e em extinção. Na igreja somos julgadas como beata contra a vontade de Deus. Como não crescestes e multiplicastes, mulher? A sociedade te vê como a mal amada ou semelhantes piores. Ou vai dizer que você nunca ouviu dizerem que tal professora é um carrasco por falta de homem? Hein? Sabe por quê? Pois desde pequenas aprendemos a encenar fazendo comidinha e a cuidando da casa e dos bonequinhos. Então, nunca conseguiremos o Oscar sem alguém para contracenar essas cenas. Conclusão geral: Não há saída, na verdade, todo mundo quer um homem para chamar de seu.


Raposa do Pequeno Príncipe

De volta para minha terra

No dia em que vim de Riachão de Jacuípe pensei que minha vida estaria solucionada. Acho bom fazer uma pausa já aqui para explicações. Minha cidade é rica, grande e importante, quase importada. Tenho provas vivas, na memória. Na época, lembro bem, as fazendas tinham das agriculturas de maior avanço que se podia ver. É bom que fique claro.

Mas vamos voltando pro que interessa. Não vim aqui me dar ao trabalho de falar das importâncias de minha terra, até porque são óbvias. O assunto é bem que outro.

Pois vinha eu para o Rio de Janeiro, em pensamento mais leve impossível, em formato de divagações distantes exatamente isso: “Agora, sim, minha vida está solucionada”. Penso hoje que, apesar de toda a boa educação de minha origem, educação sem igual pelas professoras do meu Riacho, mal devia saber eu o que realmente significava “solução”. Não falo daquelas químicas que se criam nesses laboratórios de avançadas pesquisas daqui, mas da resolução, mesmo, entende? Ter a vida feita. Antes fosse a solução laboratorial. Eu bem que jogava dos ácidos mais corrosivos em todos esses ônibus, pra eles virarem de miniatura pra criança brincar. É só pro que servem. Pois era disso que me referia quando vim aqui dizendo que queria voltar pra minha terra natural, nada desse asfalto todo que só roda sobrevive, ferradura gasta rapidinho. Esses meios de transporte duros como o chão que andam tão me tornando uma pessoa que eu não era quando de lá vim, com meu pensamento mole de sonho luminoso da cidade.

- Então, como foi que você passou a querer voltar?

Vou te contar como...

Cheguei aqui logo, com meu jegue que de mais resistência não havia. São os jegues de Jacuípe, fortes filhos dos cavalos bonitos de fazendeiros da História passada. O combustível deles é só mato do caminho, e o mato não precisa mudar de cor do verde pro azul e ainda estar acrescentado de mais e mais moedinhas pra que eles se deixem ser montados e saiam andando. Eles saem quando o jacuipenho bem quer e precisa. Às vezes é só dar uma pressionada, uma apertadinha a mais na barriga que eles logo vão. Com ônibus não é assim. Pressiona o motorista, aperta o despachante da tropa, pode dar até chute na lataria daquela porcaria, nem adianta... É só quando eles querem. Ou melhor, como bem repetiu pra mim o trocador da última vez: “O horário de partida é sete horas e 42 minutos”.

- Muito bem, então porque você quer voltar pra sua terra mesmo?

É que eu moro nos arredores do centro, como aqui chamam de nome bonito, “periferia”. Acontece que pra chegar no centro, que é onde consegui bom emprego, preciso pegar dois burros,..digo, ônibus! Aquele meu jegue, lembra? Pois ele ficou pra trás, numa cidadela de mais mato, porque achei que aqui, coitado, ia ter que comer capim gelado de geladeira. Então eu assumi que precisava de ônibus. Pensei “Mas quanto avanço ótimo! Meus caminhos vão ser mais rápidos e meu esforço vai ser nenhum..!”. Mal sabia, mal sabia que dali só ia querer meu jegue e terra muito molhada, a única coisa que faria ele empacar no caminho de volta...Porque relógio, relógio ele nem sabia o que era..!

- Então..?

Então eu preciso do que hoje vejo como uma lata de ferro duro, desconfortável e sufocante que funciona pela hora. Não uma, mas duas! E é essa combinação que trás o problema. A hora e o número. O número dois... Não tá entendendo, né? Pois meus colegas de infância já teriam entendido, nosso raciocínio lá era treinado pra ser rápido. É que eu saio de casa e pego um ônibus até mais perto e depois outro pro trabalho. Acontece que o primeiro ônibus sempre saia atrasado. Eu passei a não chegar a tempo de pegar o segundo, que de lá ta saindo quando no outro eu to chegando. Desde então eu tenho esse problema, e tenho que ficar lá, em pé, esperando o próximo que só sai depois de 42 minutos, que eu sempre penso que podia estar usando pra adiantar as minhas coisas, o meu dia. Coisa que não se pensa em Riachão, mas que os atrasos dos transportes rápidos te ensinam a pensar.

- E então, o que você concluiu disso..?

Calma, calma que a coisa só piora. O que acontece é que, quanto mais se chega perto de consertar as coisas e elas ainda não funcionam, pior. Nessa cidade do Rio é muito assim. As coisas são quase consertadas, ficam cada vez mais quase funcionando. E isso é que mais trás irritação, coisa que pouco se sente em Riachão, mas que o tempo perdido na falta de tempo te ensina a sentir. Foi o que pouco a pouco comecei a sentir e lá fui reclamar. Comecei aos poucos, pedindo que saíssem cedo, depois fui quase chorando, e então quase gritando. Os atrasos diminuíram, mas ainda estavam lá, e pior: agora quando o primeiro ônibus tava chegando eu via o segundo partindo, cada vez mais quase comigo, mas ainda sem mim. Até que a diferença passou a ser um minuto! Por um mísero minutinho eu não pegava o segundo ônibus. Aquilo me amargou mais e mais até o dia que perdi minhas estribeiras todas! Fui e gritei mesmo, coloquei dedo na cara e tudo. O despachante ficou até vesgo, como se tivesse procurando alguma coisa no meu dedo pra se justificar!

- É verdade... Mas, então, conclusão? Daqui a pouco já vamos pro próximo bloco!

Pois bem, tudo bem... No dia seguinte, eles solucionaram o problema. Deles. Atrasaram o horário oficial de partida pra um minuto mais tarde. O meu minutinho! E aí sim, então, passaram a sair estritamente no horário exato: seis horas e um minuto.

Uma hora antes da hora que chega ao primeiro destino.

Um minuto depois da partida do segundo ônibus.

41 minutos de espera urbana oficial para mim.

Todos os dias. É por isso que eu percebi que isso não é vida, sabe, essa espera toda que na minha terra não me incomoda, mas que aqui é perda de segundos doloridos contra o relógio, que cheiram a óleo diesel... Eu preferia o esterco fresco. Por isso, Gugu, vim aqui no “De volta para minha terra”... preciso voltar pra Riachão de Jacuípe!


Joaquim Lima

Sinceridade infantil

Dizem que criança não mente, e acho mesmo que todos vocês já devem ter presenciado um momento de “sinceridade infantil”. É trágico, torça para nunca ser alvo de um desses arroubos de franqueza. Eu tenho uma sobrinha com sete anos e ela consegue ser mais ácida do que uma fita com piadas do Costinha.

Nada me tira da cabeça que a babá dela na verdade tá dissimulando uma promessa ou cumprindo um carma. A pobre Shirley é meio gordinha, é verdade. Mas a menina não dá descanso, outro dia meu cunhado estava recebendo vários amigos em casa para um videokê e a Shirley quebrou uma cadeira. No ato, sem pestanejar, sem perder o timing a menina disparou: “Droga, Shirley! É a 3ª essa semana, vou ficar sem ter onde sentar”.

A Shirley passou por todas as tonalidades possíveis de vermelho. E por falar em cores, mais novinha quando ela ainda não sabia todos os nomes de cores, ela virou pra um dos tios –um negro azulão – e mandou na lata: “Tio Carlinhos, você é tão lindo assim todo roxo!”. Mas família não é termômetro pra isso, todo mundo dá risada e acha isso uma gracinha.

A verdadeira escola da vida é o primário. É lá que se aplica a lei do mais forte e a máxima de que “aquilo que vai, volta”. Com essa mania de perseguição aos gordinhos ela conseguiu uma bunda inchada. Virou pra uma menina barrigudinha e disse que ela tava grávida. “Quais vão ser os nomes dos seus gêmeos? Há há há. *risadinha escrota de criança chata*”. Levou um belo pontapé no traseiro e ganhou um bilhete na agenda que pedia pra minha irmã ir lá conversar com a “tia”.

A última dela foi demais. Minha irmã foi ao mercado fazer compras – e eu não sei porque as pessoas insistem em fazer compras com filho pequeno se já ficou mais do que comprovado que isso dá merda em 101% dos casos – e ela pediu porque pediu pra passar na casa a minha avó, a “bisa”. Tanto fez que a mãe dela resolveu ir. Chegou lá e minha avó disse “Oi querida, veio visitar a velha?” ao que minha irmã foi logo respondendo “É vozinha, vim matar a saudade”. Não é que a garota emplacou um: “Mentira, bisa. Ela nem queria vir, só eu e ela só me trouxe porque não tinha almoço pronto lá em casa”.


Srta. Bones I

Crônicas de Frufru

Tenho um poodle-toy macho chamado Frufru. Frufru é um daqueles cachorros únicos, sabe? É ele quem me acorda irremediavelmente às oitos horas todas as manhãs e quem me lembra de ir às compras quando falta algo na despensa de casa. Também é Frufru quem me avisa se alguém bate à porta, desde que a campainha quebrou. O alarme de Frufru é seu inconfundível latido, seco e veemente. Antes, ele rosna. Segundos depois late como um animal em desespero, prestes a ser executado. O veterinário explicou que o latido reflete a personalidade do cachorro. O meu é, sem dúvida, impaciente. Talvez ele o seja por nunca na vida ter cruzado. Mas é que Frufru jamais se interessou por cadela alguma. Sempre que andamos na rua juntos ele esnoba todas as fêmeas de sua espécie. A verdade é que Frufru, em sua ânsia companheira, nunca demonstrou interesse em participar da reprodução canina. Desculpe, preciso me corrigir. Ele nunca - havia - demonstrado interesse, até um episódio peculiar ocorrido três dias atrás.

Estávamos na fila do mercado, para pagar pelos hambúrgueres que Frufru me lembrara de comprar algumas horas antes. Foi quando vimos, logo à frente, dona Milú. Dona Milú era a vizinha de minha mãe, que eu e meu cachorro visitávamos duas vezes por semana. Frufru gostava muito de ir lá. Ele encostava a cabecinha no parapeito da janela e observava, sem cessar, os movimentos da casa ao lado, onde dona Milú invariavelmente cozinhava. No mercado, ao notar a presença de dona Milú, Frufru começou a latir ansiosamente. Foi quando percebi que ele latia de maneira diferente. Não era mais aquele ruído seco e afobado. Era um latido mais calmo e paciente, diria que até um pouco sedutor.

Há anos, dona Milú mantinha um penteado impecável, indo com freqüência ao salão de beleza, me contara mamãe uma vez, com um pontinho de inveja. Então me dei conta de que Frufru não tirava os olhos dos cabelos de dona Milú, e estava a ponto de saltar em cima deles. Quando consegui exercer certo controle sobre a ânsia de meu cão, finalmente tudo fez sentido. Os cabelos grisalhos e longos de dona Milú, presos numa espiral roliça que ia quase até sua testa, firmados com alguns grampos e certamente um tubo inteiro de laquê, eram uma autêntica poodle-toy fêmea. E Frufru estava perdidamente apaixonado pela poodle-toy capilar de dona Milú.

Cumprimentei dona Milú e fui embora o mais rápido possível, deixando os hambúrgueres para outra ocasião. Saí do supermercado direto para o Petshop. Era preciso arranjar uma namorada para Frufru antes que ele tentasse outra vez molestar o coque de dona Milú. Não adiantou. Ele se recusava a flertar com todas as cadelinhas, das tosadas às peludas, das velhas às novas, das grandes às pequenas. Até outras raças eu tentei, mas não surtiu efeito algum. Frufru estava decidido. Depois de perder a hora três vezes numa mesma semana, me preocupei. Meu cachorro havia parado de latir não apenas para me acordar, mas também para que eu atendesse a porta e fosse ao mercado. Ele estava deprimido, era visível. Tomei uma decisão, provavelmente a mais difícil de minha vida. Dei Frufru para dona Milú. Agora, toda vez que visito mamãe, bato na porta ao lado, para rever meu cãozinho. O coque de dona Milú está sempre desarrumado...


Bertholdo

Questão de segurança

Cerca de alguns dias atrás, enquanto conversava com um antigo companheiro de guerra, tive de parar para refletir acerca de um assunto que foi posto em questão. Quando perguntado sobre que tipo de argumento este meu velho companheiro de guerra usaria em determinado momento de uma discussão política, a resposta dele foi simples: "Eu jogaria uma bomba nele!". Diante da reação de estranhamento de todos os presentes, ele emendou: "Que tipo de argumento seria melhor do que uma bomba?". Afinal, que tipo?

Regredindo um pouco, comecei a pensar em algumas ocasiões na vida de alguém em que ter uma bomba não seria uma má idéia. Por exemplo, não seria ótimo ter uma bomba quando mandavam que parássemos de brincar para tomar banho ou fazer a lição de casa? Ou ainda mais quando nos cobravam essa lição no colégio? Quando o fortão do colégio dizia que queria jogar bola no seu time e no seu lugar? Ou até passar na frente na fila da cantina? A bomba, afinal, mostra-se um argumento poderoso, principalmente para crianças. "Filho, larga esse carrinho e vai tomar banho!", "Nem vem mãe! Eu tenho uma bomba e não há nada que você possa fazer que mude isso!". E talvez até a rebeldia adolescente ganhasse algum sentido.

O tempo vai passando e o indivíduo cresce e naturalmente seus objetivos se alteram, mas mesmo assim a bomba ainda se apresenta impecavelmente de novo como argumento. Imagine um rapaz nervoso de tremer as pernas ao pedir um beijo (o que seria o seu primeiro) para uma menina. Agora imagine este mesmo rapaz com uma bomba no bolso, que será usada em caso de "emergência". As pernas dele naturalmente já não estarão tremendo. É tudo uma questão de segurança. "Não vai me dar um beijo é? Olha que eu jogo essa bomba em você!". Tomemos como exemplo também o período do vestibular. Neste caso, a bomba seria um argumento tão simples que beira o ridículo. Bastaria enviaruma carta fazendo suas solicitações à universidade de seu gosto, caso contrário ninguém mais estudaria neste local. Ou até, quem sabe, explodir os principais colégios da cidade da tal universidade.

E não adianta acrescer números à idade do indivíduo "em questão" que a bomba vai continuar sendo o melhor argumento. Ela pode ser útil desde o momento em que se quer explodir o (a) cônjuge, o chefe, a sogra, as ruas e estradas por causa do trânsito, o policial abusado, o político safado, ou até o bandidinho que tenta te ameaçar com uma arminha de fogo. Afinal, quando se tem uma bomba, o que temer? Tenho que aplaudir esse meu antigo companheiro de guerra. Como eu nunca havia pensado na bomba com toda esse poder argumentativo? Afinal, não é assim que povos inteiros são convencidos que suas culturas são erradas?


Rambo

História de mau gosto

Estou apaixonada. Mas ele é feio. Muito. Seria mais fácil se eu não tivesse que me desculpar por isso toda hora.

- E aí amiga, como ele é?

- Normal, mas é suuper gente boa.

-Ah...

O próximo passo é baixar a cabeça e desconversar. Pior é o momento da apresentação. O cara sempre vai ser invisível nos lugares. Fato! Principalmente se houver muita gente.

- Cadê ele?

- Aquele ali de cinza.

- Onde?

- Ali, encostado na pilastra.

- Aquele moreno forte de Ray-ban??? Se deu bem, hein...

- Não, o de óculos de grau.

Silêncio...

Nunca imaginei que a beleza fosse tão importante para as pessoas e para mim. Já pensei em não mostrá – lo às amigas. Não deu certo. Melhor assumir o mau gosto do que ter fama de encalhada com namorado imaginário.

O mundo é mesmo cruel. Não há espaço para a beleza interior na era dos anabolizantes, chapinha e silicone. E quem se mistura com feio, feio é.

E como explicar isso aos homens? Porque, para eles, quem anda com feio, mercenária é. Eles sempre pensam que o cara tem dinheiro.

Não me importo. Não é uma coisa, nem outra. Beleza acaba. A do meu namorado se resumiu a ser um lindo bebê. Mas o que fazer se é ele que meus olhos procuram todo o tempo, em cada rua, todo dia? Se é a voz dele que precisa ser ouvida para eu ficar em paz. Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz. E ninguém mais.


Papel

Jogo do cidadão

Um prazer que tenho na minha vida é observar as pessoas. É impressionante como são tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. E um lugar onde várias dessas pessoas se encontram é o ônibus. Realmente, os transportes coletivos em geral são, no mínimo, estranhos. Pessoas que nunca se viram na vida se aglomeram e passam horas juntas (tudo bem que podem ser minutos, mas eu gosto dos extremos) sem nunca terem se visto na vida, e sem trocar nenhuma palavra. Acho que uma sensação bem parecida de quando você está no ônibus é a de quando você está em um elevador. No momento em que pisa ao momento em que as portas se abrem e você sai, a sensação de desconforto está presente, você fica olhando para a cara das pessoas e não tem nada para falar, às vezes solta um sorriso só para se mostrar mais simpático, mas não passa disso. No ônibus idem, mas essa sensação dura muito mais tempo e, além disso, entrar e sair do ônibus se mostra muitas vezes como uma tarefa difícil.

Primeira fase: entrar no ônibus. Quando você chega no ponto de ônibus já começa a tortura. É bem comum ter linhas que demoram muito a passar, e outras que passam um ônibus de cinco em cinco minutos e entram três pessoas. E justamente as linhas que demoram a passar são sempre as mais requisitadas. Você fica prestando atenção no horizonte e vê que lá atrás o seu ônibus está vindo (sempre, é claro, em alta velocidade). Você se prepara para fazer o sinal e tenta ficar em um lugar estratégico para ser a primeira a entrar. O ônibus para, todos correm para a porta, e sonham com um lindo lugar para sentar. Já na entrada, acontece aquele típico empurra-empurra, ordenado pelo motorista que quer fechar a porta e dar a partida, No arranque muitas pessoas voam, e quase caem, por mais trágico que pareça, isso já é normal. Passado o trocador vem a próxima fase. E detalhe, algumas vezes pode ser que você não consiga passar da primeira fase, já que o ônibus pode estar lotado e o motorista falar que não dá para subir mais ninguém, ou então, quando você avista o ônibus no horizonte e ele faz uma manobra espetacular cortando todos os ônibus que estão parados no ponto, e passa ignorando o seu sinal. É, realmente, nessa hora a raiva é tão grande que vale xingar o motorista e todas as pessoas do mundo.

Segunda fase: conseguir um lugar para sentar. Embora essa fase tenha controvérsias, eu ainda acredito que sentar é sempre melhor do que ficar de pé. Quando você passa do trocador e acha um lugar, é melhor sentar logo, pois se você pensar um pouco alguém pode roubar o seu lugar. Também, pode acontecer de o ônibus estar vazio e você poder escolher entre a janela ou o corredor. Essa duvida muitas vezes é cruel. Sentar na janela é bom, porque se você der aquela cochilada pode apoiar a cabeça na janela, mas é ruim porque o medo de ser assaltado é maior, já que agora nem é preciso entrar no ônibus para assaltar. O assaltante pode fazer isso pela janela é só aproveitar quando o ônibus fica um tempo maior parado no ponto e abordar o passageiro distraído apoiado na janela. Ótimo não?! Já sentar no corredor é bom porque os riscos de ser assaltado são menores, mas é ruim porque normalmente a pessoa que der aquela cochilada do seu lado pode usar seu ombro de travesseiro. E quando o ônibus fica cheio você acaba servindo de porta-mochila, porta-pasta e porta-bolsa das pessoas que estão no corredor. Além disso, pode acontecer de entrarem no ônibus idosos e gestantes, ou adultos com criança no colo. Nessa hora, os passageiros se entre olham para ver quem vai tomar a iniciativa. Demora um tempo, mas sempre alguém levanta. Ufa, não foi você. Nessa fase, pode ser que você não consiga sentar, mas mesmo ficar em pé em algumas linhas pode ser considerar uma vitória, não desanime e siga para a próxima fase.

Terceira fase: coisas para se fazer durante a viagem. Essa fase tem uma explicação curta, mas com certeza é a mais demorada para o passageiro. Quando você está no ônibus é comum você passar algumas horas mudo, já que está acompanhado de estranhos. E se você começar a conversar com alguém do nada, a pessoa pode vir a ficar com medo de você, ou te achar um maluco, já que essa atitude é suspeita. Por essa e outras razões é sempre bom carregar com você alguma forma de entretenimento como, livros, jornais, um celular com fone de ouvido, ou algum aparelho de som. Quem consegue ler no ônibus é guerreiro, já que a velocidade sempre alta e as curvas bem mal feitas dificultam a leitura. E, além disso, quando você sai do ônibus percebe que leu apenas duas páginas. Ouvir musica é o melhor conselho, mas também, tem pessoas que perdem a noção. Ouvem a musica as alturas e ainda ficam cantando. Se você está lendo ao lado dessa pessoa, é melhor desistir na hora. A paz da viagem, também, pode ser quebrada pelos vendedores de mentos a um real, dois amendoins cinqüenta centavos, ou três jujubas a um real. Há, também, os que ajudam entidades carentes, de ex-drogados e de idosos e por ai vai. Pode contribuir com o que você tiver. Embora você saiba que essas pessoas estão aí, porque elas podiam estar matando ou podia estar roubando, só o que você queria era um pouco de silêncio, no mínimo apenas o barulho do motor.

Quarta fase: descer do ônibus. Seu ponto final está próximo a viagem está chegando ao fim, mas não pensa que terminou por aí. A última fase nem sempre é tão fácil como se pensa. Com o ônibus lotado, muitas vezes é necessário fazer barra para conseguir chegar até a porta, ou ir empurrando todo mundo e batendo a mochila na cara das pessoas. Que violência, não?! Se você ainda está na terceira fase em pé no corredor, com certeza você vai ser vitima da fúria e da impaciência da pessoa que está na quarta fase. Puxou a cordinha, desceu do ônibus. Ufa, acabou. E parabéns você venceu essa fase e todas as anteriores, você pode ser considerado um cidadão de uma cidade grande. Pena que a vitória dura pouco, e amanhã você deve retomar a primeira fase.


Vivianne Medeiros

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Alguns segredos femininos

Por onde eu ando vejo uma bolsa maravilhosa e caréssima, um sapato perfeito que custa meu salário inteiro, um vestido deslumbrante que causaria inveja até na minha melhor amiga... E isso me deixa desesperada, ainda mais quando eu não tenho dinheiro pra comprar – o que acontece com mais frequência do que eu gostaria porque meu salário nunca dura o mês inteiro. Ai que raiva que isso me dá!

Eu faço sempre o mesmo caminho então passo sempre pelas mesmas lojas. Em uma loja de acessórios tem sempre várias coisas que chamam a minha atenção. Essa semana foi uma bolsa preta grande e linda. Ela fica lá na vitrine se exibindo e me chamando. Eu sempre paro na loja para dar uma paquerada nela, pra ela se sentir mais amada e prometo a ela, todos os dias, no horário de visita, que ela terá um lar quentinho e aconchegante. Às vezes eu me perco olhando a vitrine, mergulhada na minha imaginação, pensando em como ficaria linda e deslumbrante com ela.

Nessa de ficar olhando todas as vitrines de todos os lugares eu me apaixonei por um vestido lindo, mas ele estava total e completamente fora das minhas condições financeiras. Eu sempre passava na loja para olhar pra ele, ver como ele estava, se estava recebendo o devido destaque... Fiquei até amiga da vendedora! Minha obsessão era tanta que uma noite eu sonhei com ele. Sonhei que estava usando o vestido em uma festa, deixando todas as mulheres com invejinha, quando de repente apareceu uma menina com um vestido igual ao meu, até na cor! Isso, numa situação normal, seria o fim da festa. Mas não pra mim, não no meu sonho. Eu pulei em cima da garota, que nem naqueles filmes onde o Presidente dos EUA precisa ser protegido do terrorista, e comecei a brigar com ela. Bati e apanhei, mas pelo menos o meu cabelo e meu vestido continuaram intactos. No final eu venci a briga – afinal era o MEU sonho – e consegui expulsar a garota da festa.

Quando paro para pensar nas minhas “descobertas maravilhosas” eu sempre me pergunto por que as coisas que eu gosto tem que ser tão caras?! Será o dono da loja não tem pena de mim?! Será que ele não pensa que apesar de não ter dinheiro eu também quero andar elegantérrima e de preferência com meu nome bem longe do SPC!? Será que ele não consegue ver que estou ficando profundamente deprimida porque não consigo comprar nessa loja?! Eu estou a um passo de começar a tomar remédio de tarja preta e o dono da loja nem liga pra mim. INSENSSÍVEL!

A essa altura os homens devem estar se perguntando: “Mas as lojas sempre fazem liquidação para acabar com os estoques. Porque ela não espera até lá!?” Por uma simples razão e óbvia meus caros: ninguém vai sentir invejinha da roupa da estação passada.


Mônica Sampaio