Certa vez quando entrei na sala do meu cursinho pré-vestibular me deparei com uma menina sozinha, recolhida em um canto. Mais parecia uma trouxa de roupa jogada em cima de uma cadeira. Era muito magra, usava óculos. Era como se alguém a houvesse esquecido ali, como se ela não pertencesse àquele lugar.
O estranho é que nenhum professor havia comentado de uma aluna nova. Certamente ela frequentava as aulas desde o começo e eu é que nunca havia reparado. Daquele dia em diante, passei a observá-la. Ela quase não falava, mas anotava tudo o que os professores diziam em um caderno com as folhas amareladas.
Depois de uma semana, soube que o nome dela era Julia e que ela era de Florianópolis. A menina passava o intervalo todo sozinha, anotando coisas em seu caderno. Não tinha mochila, nem estojo. Guardava tudo em uma bolsa de pano. Para mim tudo aquilo era muito estranho.
Até que um dia tomei coragem e fui falar com ela. Para minha surpresa aquela garota esquisita parecia muito feliz, apesar de tímida. Ela me contou que morava com a avó, pois o pai e mãe tinham morrido em um acidente de carro. Fiquei impressionada, para não dizer com pena.
A partir daquele dia, começamos a conversar. Em pouco tempo, sabia tudo de sua vida e ela da minha. Menos de um mês depois, ela já me ajudava nos estudos e frequentava a minha casa. Ela já não me parecia mais estranha. Era uma menina como outra qualquer, e o melhor de tudo, tinha se tornado uma grande amiga.
Julia não falava com mais ninguém no curso além de mim. E todos os meus outros amigos me recriminavam por andar com ela. Mas eu não ligava. Eu me sentia bem ao lado dela.
Eu faria vestibular para Jornalismo e ela para Engenharia. Mesmo assim, Julia me ajudava sempre que podia. Acabava estudando mais as minhas matérias do que as dela.
O vestibular passou. Julia foi aprovada em todas as universidades. E contrariando todas as expectativas, minha amiga foi para a UERJ e não para a UFRJ, como todos pensavam. Ela era mesmo uma menina, eu diria agora, diferente.
As aulas começaram, e com o grande número de tarefas que tínhamos que fazer para nossos cursos, fomos nos afastando. Falávamos-nos cada vez menos. Até que uns dois meses depois, podia dizer que não falava mais com a Julia. Eu até tentava, mas nunca conseguia. Ou não atendia ou não estava em casa. O tempo foi passando e eu fui me acostumando com a ideia de não falar mais com ela.
Um ano depois recebi uma ligação. Era a avó de Julia me dizendo que ela tinha cometido suicídio, pois não conseguira fazer amigos na faculdade. Fiquei em estado de choque. Não sabia o que dizer, muito menos o que fazer. Só depois de muito tempo fui entender que ela tinha aparecido em minha vida para me ajudar a conquistar algo que queria muito e que, de alguma forma, eu tinha sido a única amiga que ela teve na vida. Agradeço todos os dias por ter tido coragem de falar com aquela menina “esquisita”.
Mel
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