segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Crônica de um bom dia

“Bom dia, minha amiga. Bom trabalho, minha linda. Tudo bem, meu amigo?”. Um dia comum, de sol, às oito da manhã, lá está ele, com um contagiante sorriso, desejando um “bom dia” a todos aqueles desconhecidos – que, provavelmente, acordaram de mau humor naquela preguiçosa manhã de segunda-feira.

As milhares de pessoas que passavam diariamente pelo bairro não eram suas amigas, muito menos colegas. Mal olhavam ou retribuíam os votos daquele simpático vendedor de balas – sim, porque, para elas, ele não passava de um vendedor de balas conformado com a vida e aparentemente bem-humorado. E não era só às oito da manhã: a qualquer hora do dia, seja ensolarado ou chuvoso, lá estava ele – mesmo trajado com uma capa de chuva transparente - contente e satisfeito com a vida, como se tudo fosse perfeito e nada pudesse abalar a injeção de auto-estima diária que ele queria passar aos seus “amigos”.

Os amigos eram os fregueses, mas a propaganda do vendedor de balas, amendoins, chocolates e “os passatempos para a sua viagem” era outra. Jamais seria capaz de entrar em um ônibus e incomodar o silêncio dos passageiros, gritando “dez paçocas a um real, hein, só na mão do camelô”. Não, ele não se considerava um camelô e vendia seus produtos pela simpatia dos olhos claros espelhados – pois bastava qualquer pessoa olhar dentro deles ao retribuir o “bom dia”, que podia ver a si próprio. E o reflexo de si próprio diante da alegria daquele simples vendedor de rua poderia, muitas vezes, constranger os passantes, que, em sua maioria, eram executivos estressados, estudantes com pressa e trabalhadores de um grande shopping da cidade – desanimados e cansados com a rotina.

Alguns até tornaram-se seus amigos. O vendedor sabia se o filho de uma freguesa estava doente, se um cliente tinha entrado de férias e, claro, sempre conseguia uns trocados com aqueles que, frequentemente, paravam alguns minutinhos para conversar e contar as novidades. Ele também sabia sobre os acontecimentos no entorno do shopping, os assaltos, batidas de carro, assuntos que envolviam a polícia e os jornalistas e, sempre, com muita calma, tinha todo o tempo do mundo para explicar tudo o que aconteceu com detalhes para os que tinham paciência para ouvir – o que era raro.

Só o que ninguém sabia, ao certo, era quanto tempo aquele vendedor de balas na rua trabalhava no local. Mesmo que muita gente não reparasse nos olhos espelhados, as pessoas não podiam ignorar a presença daquele homem, muito menos o efeito de sua voz feliz, ecoando um “bom dia” que refletia em todos, até mesmo naqueles que se sentiam insatisfeitos com suas rotinas. Hoje ele estava varrendo a rua enquanto eu passava. Ele parou e me desejou um bom dia. Eu retribuí... com toda a esperança de que aquele dia fosse realmente bom.


Jornalista

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