domingo, 20 de setembro de 2009

Dor de amor

Eu gosto de causos. Conto causos à noite, assim, perto da fogueira, ou de manhã, quando acordo, com o cacarejo singelo da minha esposa. É, da minha esposa. A gente até cria umas galinhas aqui em casa - Marcelina, Eva e Gigi - mas o cacarejo que me acorda, pontualmente, todo dia, às cinco e meia, é o da minha esposa.

Maria Angélica sempre foi doce assim. A gente se conheceu num baile da venda do seu Martins faz uns trinta e dois anos, e desde aquela época o seu jeito meigo, doce e singelo me agradava. Muito singelo. Não gosto muito de contar essa história porque tem gente que até acha que é causo meu, história inventada dessas que eu conto. Mas não é não.

Tinha o baile da fazenda do seu Martins, festa boa que todo ano ele fazia pros cantos de São João da Brasa, perto de Reis do Sul. Era coisa de matar um boi por pessoa, pra sair todo mundo satisfeito. A família toda da Maria Angélica foi pro baile esse dia. Eu fui também, com Rita de Cássia, minha irmã.

Cheguei lá e de longe já bati o olho na Maria Angélica. A saia rodada bonita, cinto, bolsa, colar, pulseira, boné, cachecol, outro cinto, casaco e meia eram a combinação perfeita pra minha madame de filme de bacana. Até hoje, Rita de Cássia me fala que eu não tinha nada que ter ido tirar a Maria Angélica lá de cima do telhado do curral, não tinha mesmo, de forma nenhuma. Mas como eu ia saber se essa não seria a prova de amor que ela precisava pra se apaixonar por mim? Fui e tirei.

A nossa história de amor é bonita assim mesmo, e começou nesse dia com meu olho roxo, carinho da mão leve de Gegé. Ou Gélinha, minha anja do céu. Chamo minha flor de nome carinhoso, sou homem carinhoso. Mas sou homem. De verdade. Ainda tem cabra por aí que acha que homem que é homem tem que ser ruim, bater em mulher e gritar. Sou homem e sou bom, não grito, e às vezes até apanho. Prova da minha macheza, da minha bondade. Prefiro apanhar, ah prefiro! Não tenho coragem - e meu São Joaquim é prova - de que eu nunca bati, nem com uma flor que fosse, na minha Angélica. E é sorte dela eu ser bom assim, porque a minha força é forte, das mais fortes, e ai de quem sente o peso do meu braço.

Gélinha nunca há de sentir, nunca! Porque nosso amor é de verdade. Coisa bonita é ver a gente acordar, como eu falava pro leitor no começo dessa história. É coisa de emoção. Eu sinto até um negócio no peito assim, forte, uma pontada. Comentei outro dia com Dr. Teles e ele me passou um chá calmativo pra eu tomar. Falou que é coisa de gente que emociona, é mal de coração mole. Tomo o chá quando me lembro, mas quando esqueço ainda sinto aquela dor.

As galinhas ficam com ciúme aqui em casa. As três. Já falei com elas que não dá. Gélinha canta porque gosta, e o que eu posso fazer se ela cacareja mais bonito que as três galinhas juntas? Falei com a Marcelina, com Eva e com Gigi que o ovo delas pelo menos é bom - cheio de sustância - e compensa o canto, que é bem mais fraco que o de Maria Angélica. Incomparativo, já falei. O troféu do ano passado eu dei pra Gigi, de compensação, só pra ela não sentir mal e não querer mais colocar ovo. Mas segredei pra Gégé que era ela que cantava melhor, que aquilo era tudo encenação. Precisava deixar as coisas claras.

Mas o nosso acordar é bonito e é romântico. Quem é que não vai gostar de acordar todo dia com a voz da mulher amada? Me sinto muito bem de ter dor de cabeça e de ouvido o dia inteiro, sinto que nem dói, é dor de amor.


Maria Sofia

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