segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Das flores do jardim, a que ficava isolada no canto era a que ele mais gostava. Talvez porque tivesse a cor da tarde quente ou talvez porque lembrasse a cor dos dias calmos em que passara na América. Cor de sol, dia de chuva. O jardim, nesse dia, estava molhado. A neblina cobria as folhas e tocava de leve a grama verde que se estendia pelo chão.

Arnaldo vivera toda a vida ali, e já não sabia o que lhe faltava toda vez em que sentia aquele aperto no coração. Corria, então, para o jardim. Era ali que as memórias surgiam, saídas de um lugar qualquer; era ali que ele podia pensar.

Pensar nem sempre figurava como algo positivo na vida de Arnaldo. Era sempre a sua primeira opção, mas nunca a melhor. Ele já havia passado por maus momentos, porque sempre privava a si próprio das aventuras, das tentativas. Tudo para ele precisava ser pensado, repensado, muito bem pensado. Arnaldo não cogitava viver sem planejar suas ações, por mais simples que elas fossem.

No caso de Amélia já havia sido assim. Do mesmo jeito. “Desiste desse emprego e volta comigo?” Arnaldo pediu alguns dias. “Preciso pensar um pouco, Amélia.” A expressão de decepção dela só não foi pior do que o desfecho da história. Bem ali do lado, na lanchonete da esquina, Amélia iria encontrar alguém e desistiria subitamente de esperar pela resposta de Arnaldo: voltaria para casa com família formada – marido, cachorro e coragem.

Agora, mais uma vez no jardim, algo abria a janela das lembranças de Arnaldo. E ele podia rever tudo – da mesma forma. Ele escrevia. Por alguns momentos chegava a adormecer. E quando as lágrimas molhavam o papel, ele se deixava levar pela música triste de mais um pensamento. Tango, bolero, mambo – o ritmo era sempre marcado. E as influências latinas ainda figuravam em sua memória.

A América foi de fato marcante para a vida de Arnaldo. Boina na cabeça e camisa listrada, ele podia exercitar a lembrança e a imaginação. Por vezes, chegava a duvidar se realmente havia conhecido Gabriel, o companheiro de revoluções que ele acompanhou até o dia da partida. Não havia sido muito tempo de convivência: 17 dias, uma tarde e uma prisão. Mas o que ele sentia pelo amigo não havia mudado. Desde a captura de Gabriel pelos rebeldes, Arnaldo guardava um sentimento que era um misto de culpa e de tristeza. Também havia saudade, mas em todos os seus pensamentos, Arnaldo não conseguia descobrir qual dos três era superior. Quem olha de fora, diria que é a culpa, influenciado pelo olhar frio e distante de Arnaldo. Ele, se soubesse dizer, afirmaria que é a saudade.

Saudade Arnaldo tem de muita coisa. Do que já viveu e também do que gostaria de ter vivido. Os velhos sonhos de pilotar um avião e casar com Amélia, ter três meninas e colher uma flor azul já haviam sido deixados para trás há muito tempo. Mas isso era algo que Arnaldo gostava sempre de lembrar. Ele se sentia bem assim, imaginando o que poderia ter sido, e não foi.

Ele pensava agora que vivia sem sonhos. Envolvido na rotina de visitar o jardim todos os dias, julgava não ter mais vontade de viver nada além daquilo. Nada além do sol até às três da tarde e chá às sete para dormir. Nos seus pensamentos infinitos, chorava toda vez por ter esquecido tão rápido o poema que escrevera para Amélia. Das perguntas infinitas, ficavam sempre a angústia e o aperto no coração. Da vontade de viver, ele já não se lembrava, nem do sorriso que lhe caía tão bem com a roupa clara.

Há quem diga que Arnaldo agora vive esperando. Não se sabe o quê. Mas a luz daquele olhar triste deve ter de fato algo a dizer, além de pensamentos, cores e lembranças.


Maria Sofia

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