O fim deveria ser mais ou menos como o término de um grande espetáculo teatral. Caem as cortinas, os atores recolhem-se às suas coxias, agradecimentos, aplausos. Não era que o seu estivesse próximo, muito pelo contrário. Mas ele era uma daquelas pessoas que gostavam de se recolher ao setor empoeirado da mente humana, habitado por personagens há muito não vistos e cenários há muito não freqüentados. Relembrava pelo bem da nostalgia e do metodismo – lhe agradava a idéia de fazer um balanço de sua vida até o momento. Mas, não, o fim não estava próximo.
Sentou-se a beirada do sofá e contemplou a sala sobriamente decorada. Os móveis e aparatos eram de uma elegância convidativa, confortável. Na parede imediatamente oposta, um Sinatra jovem o encarava. Ele respondeu com o esboço de um sorriso e um gesto embaraçado. O pôster francês - que havia sido lembrança de um amigo - sempre provocava aquela reação, mesmo após anos. Esticou o braço esquerdo e tateou os botões de seu “stereo”. Sim, ele era o tipo de pessoa que ainda conservava um “stereo” e se divertia com as reações que o objeto provocava. Uma amiga lhe disse certa vez que seu estilo retrô era muito cool, mas ele se considerava um simples conservador irrecuperável. Quando estava em casa, gostava que suas músicas permeassem o ambiente e não atravessassem somente o curto caminho entre os fones e o ouvido.
No rádio, a voz madura de Sinatra saudava a jovem fotografia e cantava os primeiros acordes de “My Way”. Sua favorita. A coincidência havia sido proposital, apesar de não diminuir o encanto da melodia suave e incisiva. Recostou-se no assento acolchoado e deixou que os sustenidos e bemóis o levassem para períodos remotos e queridos. O pai e seus pés na mesinha de centro, o sorriso juvenil da irmã, aninhada no colo da mãe que lhe acariciava os longos cabelos loiros. O que mais valorizava. O que mais almejava. Não desejava a casa branca, a cerca amarela e os sorrisos artificiais de propagandas de margarinas. Queria o apoio, o companheirismo e as ligações eternas.
Viu o colégio e os companheiros de Ensino Médio, com quem aprendeu a sorrir do que não era virtude. As piadas internas, os risos altos, as exclamações, as partidas de War. Os protestos, a insatisfação, a sordidez bem-humorada.
Sinatra cantava seus poucos arrependimentos, seus planos bem calculados, seus passos cautelosos. E ele voltou aos anos de faculdade. Os amigos tão superficialmente idênticos e tão completamente distintos. As discussões intelectuais à luz amarela do restaurante australiano, que logo eram substituídas por divertidas histórias. Lembrou dos ideais, dos sonhos e dos rodízios de pizza. Lembrou da República e de suas reclamações rabugentas sobre os companheiros. Seus comentários sarcásticos reforçavam a idéia de um mau-humor latente. Mas sua rigidez desmoronava durante as conversas animadas sobre o nada.
Ali estava. Percorrendo mentalmente sua estrada de tijolos amarelos. O caminho que o conduziu até ali se bifurcava em distintas trilhas; ainda havia muito a percorrer. Amou, sorriu, chorou, perdeu e ganhou. Disse o que pensou, fez o que sentiu. Preservou sua independência e sua personalidade, sem deixar de ceder aos impulsos e sugestões da vida. E independentemente das ruas que escolheu seguir, fez tudo à sua maneira.
Exatamente à sua maneira.
Sentou-se a beirada do sofá e contemplou a sala sobriamente decorada. Os móveis e aparatos eram de uma elegância convidativa, confortável. Na parede imediatamente oposta, um Sinatra jovem o encarava. Ele respondeu com o esboço de um sorriso e um gesto embaraçado. O pôster francês - que havia sido lembrança de um amigo - sempre provocava aquela reação, mesmo após anos. Esticou o braço esquerdo e tateou os botões de seu “stereo”. Sim, ele era o tipo de pessoa que ainda conservava um “stereo” e se divertia com as reações que o objeto provocava. Uma amiga lhe disse certa vez que seu estilo retrô era muito cool, mas ele se considerava um simples conservador irrecuperável. Quando estava em casa, gostava que suas músicas permeassem o ambiente e não atravessassem somente o curto caminho entre os fones e o ouvido.
No rádio, a voz madura de Sinatra saudava a jovem fotografia e cantava os primeiros acordes de “My Way”. Sua favorita. A coincidência havia sido proposital, apesar de não diminuir o encanto da melodia suave e incisiva. Recostou-se no assento acolchoado e deixou que os sustenidos e bemóis o levassem para períodos remotos e queridos. O pai e seus pés na mesinha de centro, o sorriso juvenil da irmã, aninhada no colo da mãe que lhe acariciava os longos cabelos loiros. O que mais valorizava. O que mais almejava. Não desejava a casa branca, a cerca amarela e os sorrisos artificiais de propagandas de margarinas. Queria o apoio, o companheirismo e as ligações eternas.
Viu o colégio e os companheiros de Ensino Médio, com quem aprendeu a sorrir do que não era virtude. As piadas internas, os risos altos, as exclamações, as partidas de War. Os protestos, a insatisfação, a sordidez bem-humorada.
Sinatra cantava seus poucos arrependimentos, seus planos bem calculados, seus passos cautelosos. E ele voltou aos anos de faculdade. Os amigos tão superficialmente idênticos e tão completamente distintos. As discussões intelectuais à luz amarela do restaurante australiano, que logo eram substituídas por divertidas histórias. Lembrou dos ideais, dos sonhos e dos rodízios de pizza. Lembrou da República e de suas reclamações rabugentas sobre os companheiros. Seus comentários sarcásticos reforçavam a idéia de um mau-humor latente. Mas sua rigidez desmoronava durante as conversas animadas sobre o nada.
Ali estava. Percorrendo mentalmente sua estrada de tijolos amarelos. O caminho que o conduziu até ali se bifurcava em distintas trilhas; ainda havia muito a percorrer. Amou, sorriu, chorou, perdeu e ganhou. Disse o que pensou, fez o que sentiu. Preservou sua independência e sua personalidade, sem deixar de ceder aos impulsos e sugestões da vida. E independentemente das ruas que escolheu seguir, fez tudo à sua maneira.
Exatamente à sua maneira.
Lúcia
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