No dia em que vim de Riachão de Jacuípe pensei que minha vida estaria solucionada. Acho bom fazer uma pausa já aqui para explicações. Minha cidade é rica, grande e importante, quase importada. Tenho provas vivas, na memória. Na época, lembro bem, as fazendas tinham das agriculturas de maior avanço que se podia ver. É bom que fique claro.
Mas vamos voltando pro que interessa. Não vim aqui me dar ao trabalho de falar das importâncias de minha terra, até porque são óbvias. O assunto é bem que outro.
Pois vinha eu para o Rio de Janeiro, em pensamento mais leve impossível, em formato de divagações distantes exatamente isso: “Agora, sim, minha vida está solucionada”. Penso hoje que, apesar de toda a boa educação de minha origem, educação sem igual pelas professoras do meu Riacho, mal devia saber eu o que realmente significava “solução”. Não falo daquelas químicas que se criam nesses laboratórios de avançadas pesquisas daqui, mas da resolução, mesmo, entende? Ter a vida feita. Antes fosse a solução laboratorial. Eu bem que jogava dos ácidos mais corrosivos em todos esses ônibus, pra eles virarem de miniatura pra criança brincar. É só pro que servem. Pois era disso que me referia quando vim aqui dizendo que queria voltar pra minha terra natural, nada desse asfalto todo que só roda sobrevive, ferradura gasta rapidinho. Esses meios de transporte duros como o chão que andam tão me tornando uma pessoa que eu não era quando de lá vim, com meu pensamento mole de sonho luminoso da cidade.
- Então, como foi que você passou a querer voltar?
Vou te contar como...
Cheguei aqui logo, com meu jegue que de mais resistência não havia. São os jegues de Jacuípe, fortes filhos dos cavalos bonitos de fazendeiros da História passada. O combustível deles é só mato do caminho, e o mato não precisa mudar de cor do verde pro azul e ainda estar acrescentado de mais e mais moedinhas pra que eles se deixem ser montados e saiam andando. Eles saem quando o jacuipenho bem quer e precisa. Às vezes é só dar uma pressionada, uma apertadinha a mais na barriga que eles logo vão. Com ônibus não é assim. Pressiona o motorista, aperta o despachante da tropa, pode dar até chute na lataria daquela porcaria, nem adianta... É só quando eles querem. Ou melhor, como bem repetiu pra mim o trocador da última vez: “O horário de partida é sete horas e 42 minutos”.
- Muito bem, então porque você quer voltar pra sua terra mesmo?
É que eu moro nos arredores do centro, como aqui chamam de nome bonito, “periferia”. Acontece que pra chegar no centro, que é onde consegui bom emprego, preciso pegar dois burros,..digo, ônibus! Aquele meu jegue, lembra? Pois ele ficou pra trás, numa cidadela de mais mato, porque achei que aqui, coitado, ia ter que comer capim gelado de geladeira. Então eu assumi que precisava de ônibus. Pensei “Mas quanto avanço ótimo! Meus caminhos vão ser mais rápidos e meu esforço vai ser nenhum..!”. Mal sabia, mal sabia que dali só ia querer meu jegue e terra muito molhada, a única coisa que faria ele empacar no caminho de volta...Porque relógio, relógio ele nem sabia o que era..!
- Então..?
Então eu preciso do que hoje vejo como uma lata de ferro duro, desconfortável e sufocante que funciona pela hora. Não uma, mas duas! E é essa combinação que trás o problema. A hora e o número. O número dois... Não tá entendendo, né? Pois meus colegas de infância já teriam entendido, nosso raciocínio lá era treinado pra ser rápido. É que eu saio de casa e pego um ônibus até mais perto e depois outro pro trabalho. Acontece que o primeiro ônibus sempre saia atrasado. Eu passei a não chegar a tempo de pegar o segundo, que de lá ta saindo quando no outro eu to chegando. Desde então eu tenho esse problema, e tenho que ficar lá, em pé, esperando o próximo que só sai depois de 42 minutos, que eu sempre penso que podia estar usando pra adiantar as minhas coisas, o meu dia. Coisa que não se pensa em Riachão, mas que os atrasos dos transportes rápidos te ensinam a pensar.
- E então, o que você concluiu disso..?
Calma, calma que a coisa só piora. O que acontece é que, quanto mais se chega perto de consertar as coisas e elas ainda não funcionam, pior. Nessa cidade do Rio é muito assim. As coisas são quase consertadas, ficam cada vez mais quase funcionando. E isso é que mais trás irritação, coisa que pouco se sente em Riachão, mas que o tempo perdido na falta de tempo te ensina a sentir. Foi o que pouco a pouco comecei a sentir e lá fui reclamar. Comecei aos poucos, pedindo que saíssem cedo, depois fui quase chorando, e então quase gritando. Os atrasos diminuíram, mas ainda estavam lá, e pior: agora quando o primeiro ônibus tava chegando eu via o segundo partindo, cada vez mais quase comigo, mas ainda sem mim. Até que a diferença passou a ser um minuto! Por um mísero minutinho eu não pegava o segundo ônibus. Aquilo me amargou mais e mais até o dia que perdi minhas estribeiras todas! Fui e gritei mesmo, coloquei dedo na cara e tudo. O despachante ficou até vesgo, como se tivesse procurando alguma coisa no meu dedo pra se justificar!
- É verdade... Mas, então, conclusão? Daqui a pouco já vamos pro próximo bloco!
Pois bem, tudo bem... No dia seguinte, eles solucionaram o problema. Deles. Atrasaram o horário oficial de partida pra um minuto mais tarde. O meu minutinho! E aí sim, então, passaram a sair estritamente no horário exato: seis horas e um minuto.
Uma hora antes da hora que chega ao primeiro destino.
Um minuto depois da partida do segundo ônibus.
41 minutos de espera urbana oficial para mim.
Todos os dias. É por isso que eu percebi que isso não é vida, sabe, essa espera toda que na minha terra não me incomoda, mas que aqui é perda de segundos doloridos contra o relógio, que cheiram a óleo diesel... Eu preferia o esterco fresco. Por isso, Gugu, vim aqui no “De volta para minha terra”... preciso voltar pra Riachão de Jacuípe!
Mas vamos voltando pro que interessa. Não vim aqui me dar ao trabalho de falar das importâncias de minha terra, até porque são óbvias. O assunto é bem que outro.
Pois vinha eu para o Rio de Janeiro, em pensamento mais leve impossível, em formato de divagações distantes exatamente isso: “Agora, sim, minha vida está solucionada”. Penso hoje que, apesar de toda a boa educação de minha origem, educação sem igual pelas professoras do meu Riacho, mal devia saber eu o que realmente significava “solução”. Não falo daquelas químicas que se criam nesses laboratórios de avançadas pesquisas daqui, mas da resolução, mesmo, entende? Ter a vida feita. Antes fosse a solução laboratorial. Eu bem que jogava dos ácidos mais corrosivos em todos esses ônibus, pra eles virarem de miniatura pra criança brincar. É só pro que servem. Pois era disso que me referia quando vim aqui dizendo que queria voltar pra minha terra natural, nada desse asfalto todo que só roda sobrevive, ferradura gasta rapidinho. Esses meios de transporte duros como o chão que andam tão me tornando uma pessoa que eu não era quando de lá vim, com meu pensamento mole de sonho luminoso da cidade.
- Então, como foi que você passou a querer voltar?
Vou te contar como...
Cheguei aqui logo, com meu jegue que de mais resistência não havia. São os jegues de Jacuípe, fortes filhos dos cavalos bonitos de fazendeiros da História passada. O combustível deles é só mato do caminho, e o mato não precisa mudar de cor do verde pro azul e ainda estar acrescentado de mais e mais moedinhas pra que eles se deixem ser montados e saiam andando. Eles saem quando o jacuipenho bem quer e precisa. Às vezes é só dar uma pressionada, uma apertadinha a mais na barriga que eles logo vão. Com ônibus não é assim. Pressiona o motorista, aperta o despachante da tropa, pode dar até chute na lataria daquela porcaria, nem adianta... É só quando eles querem. Ou melhor, como bem repetiu pra mim o trocador da última vez: “O horário de partida é sete horas e 42 minutos”.
- Muito bem, então porque você quer voltar pra sua terra mesmo?
É que eu moro nos arredores do centro, como aqui chamam de nome bonito, “periferia”. Acontece que pra chegar no centro, que é onde consegui bom emprego, preciso pegar dois burros,..digo, ônibus! Aquele meu jegue, lembra? Pois ele ficou pra trás, numa cidadela de mais mato, porque achei que aqui, coitado, ia ter que comer capim gelado de geladeira. Então eu assumi que precisava de ônibus. Pensei “Mas quanto avanço ótimo! Meus caminhos vão ser mais rápidos e meu esforço vai ser nenhum..!”. Mal sabia, mal sabia que dali só ia querer meu jegue e terra muito molhada, a única coisa que faria ele empacar no caminho de volta...Porque relógio, relógio ele nem sabia o que era..!
- Então..?
Então eu preciso do que hoje vejo como uma lata de ferro duro, desconfortável e sufocante que funciona pela hora. Não uma, mas duas! E é essa combinação que trás o problema. A hora e o número. O número dois... Não tá entendendo, né? Pois meus colegas de infância já teriam entendido, nosso raciocínio lá era treinado pra ser rápido. É que eu saio de casa e pego um ônibus até mais perto e depois outro pro trabalho. Acontece que o primeiro ônibus sempre saia atrasado. Eu passei a não chegar a tempo de pegar o segundo, que de lá ta saindo quando no outro eu to chegando. Desde então eu tenho esse problema, e tenho que ficar lá, em pé, esperando o próximo que só sai depois de 42 minutos, que eu sempre penso que podia estar usando pra adiantar as minhas coisas, o meu dia. Coisa que não se pensa em Riachão, mas que os atrasos dos transportes rápidos te ensinam a pensar.
- E então, o que você concluiu disso..?
Calma, calma que a coisa só piora. O que acontece é que, quanto mais se chega perto de consertar as coisas e elas ainda não funcionam, pior. Nessa cidade do Rio é muito assim. As coisas são quase consertadas, ficam cada vez mais quase funcionando. E isso é que mais trás irritação, coisa que pouco se sente em Riachão, mas que o tempo perdido na falta de tempo te ensina a sentir. Foi o que pouco a pouco comecei a sentir e lá fui reclamar. Comecei aos poucos, pedindo que saíssem cedo, depois fui quase chorando, e então quase gritando. Os atrasos diminuíram, mas ainda estavam lá, e pior: agora quando o primeiro ônibus tava chegando eu via o segundo partindo, cada vez mais quase comigo, mas ainda sem mim. Até que a diferença passou a ser um minuto! Por um mísero minutinho eu não pegava o segundo ônibus. Aquilo me amargou mais e mais até o dia que perdi minhas estribeiras todas! Fui e gritei mesmo, coloquei dedo na cara e tudo. O despachante ficou até vesgo, como se tivesse procurando alguma coisa no meu dedo pra se justificar!
- É verdade... Mas, então, conclusão? Daqui a pouco já vamos pro próximo bloco!
Pois bem, tudo bem... No dia seguinte, eles solucionaram o problema. Deles. Atrasaram o horário oficial de partida pra um minuto mais tarde. O meu minutinho! E aí sim, então, passaram a sair estritamente no horário exato: seis horas e um minuto.
Uma hora antes da hora que chega ao primeiro destino.
Um minuto depois da partida do segundo ônibus.
41 minutos de espera urbana oficial para mim.
Todos os dias. É por isso que eu percebi que isso não é vida, sabe, essa espera toda que na minha terra não me incomoda, mas que aqui é perda de segundos doloridos contra o relógio, que cheiram a óleo diesel... Eu preferia o esterco fresco. Por isso, Gugu, vim aqui no “De volta para minha terra”... preciso voltar pra Riachão de Jacuípe!
Joaquim Lima
Nenhum comentário:
Postar um comentário