segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Boa gente

- O que você quer da vida?

Levantei a cabeça.

- O que?

Segunda Chance.

- O que você quer da vida?

Pensei, pensei, pensei. Carros, mansões, sucesso, poder, mulheres. Vazio.

- Ah, muita coisa. – respondi.

- Você acaba de perder 10.000 reais!

- O que?!

- Você perdeu.

Então percebi o microfone na mão daquele homem que me indagava sobre os desejos da minha vida. Surgiram duas câmeras erguidas por outros homens de crachá.

- Não foi essa semana, pessoal. Fique de olho aberto, o próximo poderá ser você. Corta!

Levantei e caminha apressadamente até o homem com o microfone.

- Não entendi. O que aconteceu?

- Você não assiste à televisão?

Ele esperou minha resposta, mas eu nada disse.

- Somos do programa que realiza seus desejos. Basta você dizê-lo.

- Qual é o programa?

- Oras... Tenho que ir.

Entraram num carro e partiram com todo equipamento.

Eu realmente perdera a chance de ganhar dez mil reais? Estava apenas sentando num banco de praça lendo o jornal. Então respondo para mim mesmo o que eu devia ter dito:

- Sorte.

Nunca tive sorte na vida, as oportunidades apareciam todo momento, mas para eu alcançá-las era quase impossível. Acredito que tudo começou com meu nascimento. Cesariana, sete meses de gestação apenas, algo deixou de ser formado em mim, talvez, algum gene da esperteza, ou da sorte, ou do sucesso. Nunca ganhei na Lotomania, Lotofácil, nem na raspadinha. Meus cupons de embalagem nunca foram sorteados e, para finalizar, nunca tive o prazer de gritar: Bingo!

Porém, não sou um azarado. Nunca caiu um armário no meu pé, nem cocô de pombo na minha cabeça. Pensando bem sobre esse assunto... existem várias coisas na minha vida que eu desejei e nunca obtive, mesmo com a oportunidade na minha frente. Na escola, por exemplo, nunca consegui ser o orador da turma, sempre tinha um cara que falava melhor. No time de futebol, a mesma coisa. Eu jogava bem, mas a braçadeira de capitão nunca chegou perto de mim. Eu era esforçado, tirava boas notas, mas nunca as melhores da turma. Se me recordo bem, nunca ganhei um sorteio.

Na época do vestibular a mesma tortura. Aqueles malditos centésimos e milésimos me afastaram da minha desejada vaga em Comunicação Social. Eu era o primeiro na fila de espera da reclassificação e continuo lá até hoje, porque nenhum infeliz desistiu e abriu uma vaguinha para mim. Então, segui a carreira das Letras, esta eu conseguir passar sem depender da sorte. No mercado de trabalho, então nem se fala, foram análises de currículo, dinâmicas, entrevistas e mais entrevistas. Falo três línguas, estudei numa das melhores universidades do país, mas tudo que eu consigo parece medíocre comparado aos meus amigos. Se, por acaso, eram apenas dois candidatos, eu e outra pessoa, certamente a outra pessoas ocuparia a vaga.

Após o episódio na praça me convenci de que eu não podia contar com a sorte para nada e as oportunidades não significam nada além de chances perdidas. Talvez eu seja uma pessoa pessimista e a sorte não gosta de pessoas assim. Passei uma semana pensando no ocorrido me culpando pela estupidez e etc. Procurei o tal programa na televisão e não achei nada parecido. Minha namorada e meus amigos tão pouco sabiam. Claro que não lhes contei sobre o evento na praça. As minhas estupidez e burrices eu guardo para mim.

O destino gosta de brincar com a gente. Não foi que eu encontrei nesta bendita semana de reflexão, com o tal cara do microfone num restaurante. Primeiro duvidei. Depois decidi confiar na minha memória. Era ele. Não pude me controlar, tive que ir até ele falar alguma coisa. Ele era o culpado de eu estar questionando todo minha vida.

- Com licença, senhor.

- Sim?

- Gostaria de conversar com o senhor.

- Estou a almoçar. Mas digas o que queres.

- Posso me sentar?

- Quem és tu?

- Eu quero saber quem é você.

- Assim fica difícil.

- Sou o cara que perdeu o prêmio semana passada.

- Ah, sim. Isso, às vezes, acontece.

- Mas acontece comigo sempre. A chance está bem na minha frente e eu a perco.

- Você é uma pessoa pessimista?

- Talvez.

- Você faria alguma trapaça para conseguir essas oportunidades? Mentiria ou omitiria informações relevantes?

- Não sei. Acho que não.

- Então, Você é boa gente.

- Como assim?

- Você tem uma namorada?

- Sim. Cecília.

- O senhor diria que ela é bonita?

- Claro!

- Linda e estonteante?

- Hum... ela é bonita, mas...

- Mas existem outras bem mais bonitas e você as conhece. Então você é boa gente.

- Não entendo sua lógica?

- Já traiu sua namorada?

- Não! Aonde você quer chegar?

- Foi você que me disse que não consegue nada na vida. Onde você mora?

- Tijuca.

- Qual foi a coisa mais importante da sua vida?

- Viajei com para os Estados Unidos há alguns anos.

- Boa Gente!

- Que merda ficar me chamando de Boa Gente!

- Você não mora no subúrbio e nem na Zona Sul. Você não namora Luana Piovani, mas também não está a misere. Seu trabalho não é braçal, porém não é um líder. Você nunca construiu algo grandioso, mas tem alegria.

- Não entendo. Quer dizer que sou gente boa porque não sou um homem poderoso e nem um completo fudido?

- É assim que a gente define na mídia, na verdade, na vida. Você não vai aparecer na mídia porque não fará nada de grandioso. Por outro, não fará nada muito besta. O grande empresário e o assaltante aparecem. Você não.

- Minha vida é nada?

- Para você não. Nem para os que estão próximos de você. Afinal, você é boa gente.

- Que raios de definição maldita essa!

- Você não será invejado e, portanto, não será odiado. Mas também, não será adorado. Espere, ao menos, ser esquecido.

- Que versão triste da minha vida.

- Não tem nada triste na minha lógica. Você é o número 8.

- Oito?

- Aquele que sabe um pouco mais que os outros. Mas não é tão competente para chegar a nove, dez....

- Você nem me conhece.

- ...aquele que todo mundo cumprimenta na portaria, mas esquece de convidar para festa.

- Chega!

- Você é a média. Grande média da população mundial...

- Não quero mais saber.

- Então o que queria?

- O programa realmente existe?

- Claro que existe.

- Quero uma segunda chance.

- A lógica do programa é o inesperado. Não temos acordos. Procuramos alguém na rua com a cara do programa, o interpelamos e damos o que a pessoa desejou, através de uma quantia em dinheiro. É apenas um quadro.

- Meio besta, não?

- O público gosta.

- Qual o nome do programa?

- Boa Gente.

Me levantei e fui para casa determinado a terminar o meu romance esquecido há anos. Agora ele vai virar best-seller.
Raposa do Pequeno Príncipe

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