terça-feira, 22 de setembro de 2009

Crônicas de Frufru

Tenho um poodle-toy macho chamado Frufru. Frufru é um daqueles cachorros únicos, sabe? É ele quem me acorda irremediavelmente às oitos horas todas as manhãs e quem me lembra de ir às compras quando falta algo na despensa de casa. Também é Frufru quem me avisa se alguém bate à porta, desde que a campainha quebrou. O alarme de Frufru é seu inconfundível latido, seco e veemente. Antes, ele rosna. Segundos depois late como um animal em desespero, prestes a ser executado. O veterinário explicou que o latido reflete a personalidade do cachorro. O meu é, sem dúvida, impaciente. Talvez ele o seja por nunca na vida ter cruzado. Mas é que Frufru jamais se interessou por cadela alguma. Sempre que andamos na rua juntos ele esnoba todas as fêmeas de sua espécie. A verdade é que Frufru, em sua ânsia companheira, nunca demonstrou interesse em participar da reprodução canina. Desculpe, preciso me corrigir. Ele nunca - havia - demonstrado interesse, até um episódio peculiar ocorrido três dias atrás.

Estávamos na fila do mercado, para pagar pelos hambúrgueres que Frufru me lembrara de comprar algumas horas antes. Foi quando vimos, logo à frente, dona Milú. Dona Milú era a vizinha de minha mãe, que eu e meu cachorro visitávamos duas vezes por semana. Frufru gostava muito de ir lá. Ele encostava a cabecinha no parapeito da janela e observava, sem cessar, os movimentos da casa ao lado, onde dona Milú invariavelmente cozinhava. No mercado, ao notar a presença de dona Milú, Frufru começou a latir ansiosamente. Foi quando percebi que ele latia de maneira diferente. Não era mais aquele ruído seco e afobado. Era um latido mais calmo e paciente, diria que até um pouco sedutor.

Há anos, dona Milú mantinha um penteado impecável, indo com freqüência ao salão de beleza, me contara mamãe uma vez, com um pontinho de inveja. Então me dei conta de que Frufru não tirava os olhos dos cabelos de dona Milú, e estava a ponto de saltar em cima deles. Quando consegui exercer certo controle sobre a ânsia de meu cão, finalmente tudo fez sentido. Os cabelos grisalhos e longos de dona Milú, presos numa espiral roliça que ia quase até sua testa, firmados com alguns grampos e certamente um tubo inteiro de laquê, eram uma autêntica poodle-toy fêmea. E Frufru estava perdidamente apaixonado pela poodle-toy capilar de dona Milú.

Cumprimentei dona Milú e fui embora o mais rápido possível, deixando os hambúrgueres para outra ocasião. Saí do supermercado direto para o Petshop. Era preciso arranjar uma namorada para Frufru antes que ele tentasse outra vez molestar o coque de dona Milú. Não adiantou. Ele se recusava a flertar com todas as cadelinhas, das tosadas às peludas, das velhas às novas, das grandes às pequenas. Até outras raças eu tentei, mas não surtiu efeito algum. Frufru estava decidido. Depois de perder a hora três vezes numa mesma semana, me preocupei. Meu cachorro havia parado de latir não apenas para me acordar, mas também para que eu atendesse a porta e fosse ao mercado. Ele estava deprimido, era visível. Tomei uma decisão, provavelmente a mais difícil de minha vida. Dei Frufru para dona Milú. Agora, toda vez que visito mamãe, bato na porta ao lado, para rever meu cãozinho. O coque de dona Milú está sempre desarrumado...


Bertholdo

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