segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Café com leite

Entrei numa daquelas lanchonetes de esquina nos arredores do Largo da Carioca e pedi um café. Quando me abaixei para pegar uma moeda de um real que caiu da minha recheada carteira, olhei para a calçada e a vi. Ela tinha a pele negra e brilhante. Mas não era um negro escuro, preto, quase azulado, como a pele de um autêntico africano. O tom era marrom, misturado, deixando evidente um longo período de miscigenação. Imaginei que se juntasse algumas gotas de leite ao meu café, talvez reproduzisse sua cor. Logo desisti da idéia. Joguei um punhado de açúcar no copo e dei o primeiro gole. Seus cabelos, curtos e desgrenhados, se misturavam à sujeira e à tonalidade do papelão, que lhe servia de travesseiro. Vestia apenas uma camiseta branca. O pano sobrava para todos os lados. É provável que coubessem ao menos três dela dentro da mesma roupa. Era magra, esquálida. E chegava a causar repúdio só de olhar. Respirei fundo e tomei o segundo gole do café. A magreza apenas autenticava a fragilidade, da qual já se podia desconfiar apenas pelo seu tamanho. Ela era um pouco maior do que um caixote de feira, daqueles nos quais se carregam as bananas e as goiabas. Bananas e goiabas que ela certamente não comia havia dias. Resolvi pedir um biscoito amanteigado, do tipo que também se vende na feira. Engoli o biscoito junto ao terceiro gole do café. Não pude ver a cor de seus olhos, pois eles estavam fechados. Devia estar com sono, já que fazia mais um dia de calor insuportável no Rio de Janeiro. É comum sentir preguiça e o corpo mole quando a temperatura é muito alta. Por isso eu precisava da cafeína: para espantar o meu sono de depois do almoço naquele dia quente. Então tomei o quarto e último gole do café. Larguei o copo no balcão e agradeci ao funcionário. Olhei mais uma vez para aquela menina, para ter certeza se dormia ou não. Ela continuava inerte. Devia estar dormindo, sim. Dei-me conta de que era bobagem a idéia repentina de verificar se respirava ou não. Olhei para a rua e notei que nas outras calçadas mais pessoas dormiam. Assim como outras trabalhavam vendendo parafernálias no sinal e nos camelôs e assim como outras apenas vagavam sem rumo. Quase todos tinham a mesma pele da menina adormecida. É, convenci-me de que ela apenas dormia. Talvez também precisasse de um gole de café.


Bertholdo

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