segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A minha vizinha

Dos meus trezentos “amigos” do Orkut, dos meus oitenta “seguidores” no Twitter e das trinta “pessoas” que realmente convívio, a pessoa que mais ocupa meu tempo e minha atenção é com certeza a minha vizinha. Até porque, não há como fugir de alguém que vive tão perto assim. Pois, até quando tento ficar sozinho dentro do meu quarto, a ouso dando seus passos de dança no apartamento de cima. Perco horas tentando adivinhar o que diabos ela está dançando. Pelos passos, acho que ela deve estar treinando para suas aulas de balé ou de dança de salão, não da para saber ao certo. Já que ela coloca seus fones de ouvido e acha que isso basta para tornar seu treino totalmente silencioso.

Descobri só alguns dias atrás que seu nome é de fato Jéssica Machado Campos. Graças a uma chamada de atenção que recebeu da mãe por causa da rotineira disputa pelo banheiro que tem com a irmã mais nova, religiosamente todo dia ás sete horas da noite. Antes disso eu só ouvia “Kinha” prá cá, ‘Kinha” pra lá e mais nada, o que me deixava numa grande dúvida. Afinal, que nome teria a garota que me distrai todos os dias com sua rotina? Kinha poderia tanto ser o diminutivo de Jéssica como Erika ou Mônica...

Porém continuo sem saber o que dança, que faculdade faz ou com quem tanto fala no telefone. Mas sei que escova os dentes quatro vezes por dia, seus banhos duram vinte cinto minutos e que sempre que chega em casa no final do dia a primeira coisa que faz é se jogar na cama e ficar ali por dez minutos até se desligar do mundo lá fora... Alguns dias eu a acompanho nesse ritual e deitado fico só imaginando como esse teto realmente deve ser muito fino.

“Kinha” acorda sempre as sete, enquanto eu já estou no banho. Ela não parece tomar um café-da-manhã completo. Normalmente escuto só o microondas esquentando alguma coisa e minutos depois ela já está escovando os dentes pela primeira vez no dia. As portas dos armários batem e ela só então ela entra no banho, quando já é minha hora de sair. Mais pela noite, após se jogar na cama, jantar, treinar os passos de dança e se mover de um lado pro outro do quarto, ela tem o habito não muito saudável de fumar cigarro na janela. O cheiro forte de canela normalmente chega até o meu quarto. É uma pena que ela não tenha um habito mais benéfico para ambos como tomar sol na piscina do condomínio, me faria muito bem aos olhos e a ela ao pulmão. Mas de qualquer maneira, logo depois do cigarro, ela toma mais um banho cronometrado, escova os dentes pela última vez e dorme. Sem me dar boa noite.

Esse é o ponto em que as cidades chegaram. As pessoas se espremem em espaços cada vez menores e se empilham umas sobre as outras. Como num formigueiro. É de impressionar quantas pessoas moram nesse prédio e quantos rostos novos eu vejo todos os dias. A intimidade dos moradores invade meu apartamento e entra na minha vida pelos vãos das portas. Nem em minha própria casa consigo viver longe da sociedade. E por isso que, como em todo formigueiro há uma rainha ou alguém que mande (para usar um termo com menos gliter), tornando até sua casa um lugar hostil e cheio de regras. Pois, se na faculdade é preciso aguentar professor e no estágio seu chefe, em casa é preciso agüentar o síndico, que até poderia ser o Tim Maia de tão gordo e ranzinza que é.

A intimidade é tanta que fico a pensar se Jéssica também me ouve do seu quarto. Quando cantarolo no meu quarto, quando tenho crises de asma ou até quando xingo alto o computador que travou. Será que ela também sabe quem sou eu? Também conhece meus horários, manias e defeitos?

Vira e mexe, quando me atraso para a faculdade, nos esbarramos no elevador. E naquela situação constrangedora me pergunto, será que ela sabe que eu sou eu? Da mesma maneira que eu sei que aquela garota morena, com pequenas sardas no rosto, cabelo sempre preso com rabo de cavalo, calça jeans surrada colada ao corpo, blusas coloridas que normalmente vão até a altura da coxa e sempre com um all star bege, que um dia já fora branco (essa garota) é a mesma que dança com os fones de ouvido, fuma um cigarro antes de dormir, não come no café-da-manhã, toma banho de vinte e cinco minutos e estuda psicologia (um dia desses consegui ler o titulo dos livros que tanto carrega no elevador).

Ou será que eu que ando tão atento a tudo que ela faz?


Jefferson Rocha

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