Numa manhã, como outra qualquer, peguei minha pasta que guardava meu estojo e um velho caderno de capa dura, meus óculos de sol, um guarda-chuva dobrável e minha carteira. Marchei em direção ao ponto de ônibus. Não era o mais próximo da minha casa, mas lá passavam os ônibus principais. Hoje teria que ir ao centro, levar e pegar uns documentos. Coisa chata, sabe?
Cheguei à parada do ônibus e como sempre ela estava bem cheia. Pessoas de todas as idades, com os mais diferentes tipos de roupas. Alguns nitidamente iriam trabalhar, outros iam para a escola e os outros poderiam estar somente indo passear. Mas quem passearia às sete horas da manhã de segunda-feira?
Minha atenção foi fisgada por duas colegiais que vestiam saias minúsculas e meias até o joelho. Quem será que foi o depravado que desenhou esse uniformes para alguns dos colégios públicos do Rio de Janeiro? Dava para perceber que as jovens haviam, ainda por cima, dobrado a cintura da saia uma ou duas vezes para que ela ficasse ainda mais curta. Acho engraçado como elas gostam dos olhares dos homens e velhos babões para suas pernas.
O ônibus chegou e eu fui o primeiro a entrar. Como sempre. Todos estavam muito educados essa manhã, eu reparei. Cederam a passagem e não foi difícil encontrar um lugar vago a minha espera. Me sentei ao lado de uma moça muito bonita e bem arrumada. Seu perfume era forte. Ela carregava uma bolsa muito grande e um rádio na mão.
Prum...
- Oi querida.
- Fala gatíssima!
Prum...
- Só pra avisar que estou atrasadíssima hoje. Queria chegar no escritório mais cedo, mas é que ontem o Roberto me levou para jantar num restaurante ma-ra-vi-lhoso em Ipanema e chegamos muito tarde na minha casa.
- Você já levou ele pra sua casa na primeira noite?!
Prum...
- Eu sei... Eu sei... Mas ele não dormiu lá não... Menina, depois eu te conto. Avisa pro Eduardo que eu vou chegar atrasada, dá uma desculpa qualquer?
- Claro amiga!
Prum...
- Ah, obrigada Célia! Um beijão!
- Beijos! Até daqui a pouco!
Acho engraçado como as pessoas não têm mais vergonha de expor em público suas vidas pessoais. Agora todo mundo no ônibus sabia que, possivelmente, a mulher excessivamente perfumada ao meu lado, levava os homens que saía pela primeira vez para a casa. As mais variadas conclusões poderiam ser tiradas disso. Mas isso não era da minha conta. Peguei meu caderno e comecei a fazer minha primeira anotação.
Meu hobby era escrever sobre situações bizarras do cotidiano. Não só bizarras, mas que a meu ver passavam despercebidas na pressa do dia. Por exemplo, as meninas de mini-saias e a Chanel nº5.
Outra situação que me chamou atenção e mereceu destaque em meu caderninho foi a de uma jovem de mais ou menos 25 anos. Ela estava à minha direita, sentada ao lado de uma janela. Ela tinha os cabelos longos e cheios e um problema. A janela mais próxima dela estava escancarada e seus cabelos se desgrenhavam a medida que lufadas de vento entravam. O ônibus desgovernado imprimia tal velocidade que o vento era insuportavelmente forte. Ela tentava fechar a janela e não conseguia. O veículo era velho e suas janelas enferrujadas. Ela não conseguia. Me levantei para tentar ajudá-la e ela ficou muito constrangida.
- Por favor, senhor. Não precisa se incomodar. A janela está emperrada, acho que o jeito é mudar de lugar.
- Mas o ônibus está cheio, senhorita. Fique com meu lugar e eu fico com o seu. Já não tenho mais cabelos para atrapalhar.
- Não, de forma alguma, senhor. Este vento está muito forte.
Um rapaz forte chegou e pronto. Com dois dedos, fechou a janela e colocou um fim ao diálogo.
- Obrigada. Aos dois.
E ela voltou para seu lugar. Para seu aparelho de música. Como se eu nem estivesse lá.
Sentei-me e escrevi. Em determinado momento, me senti envergonhado por não ter conseguido ajudar a moça e me senti um inútil. Fiz sinal para o motorista e fui andando calmamente até o fim do ônibus, me segurando bem nas barras para não cair em uma dessas freadas bruscas. O mesmo jovem forte que ajudou a moça dos cabelos cheios, correu e me ultrapassou. Parou nas escadas, bem próximo a porta de saída e deu um assobio tão alto que meu aparelho auditivo ressonou.
- Campeão! Deixa eu descer aí!
A porta se abriu, no primeiro sinal vermelho em que o ônibus parou.
- Valeu, piloto! Vai com Deus!
Refleti por um segundo. Por que era tão comum as pessoas chamarem um motorista de ônibus de piloto? Como eles chegaram a essa associação? Será por que o ônibus ia tão rápido e tão desembestado que parecia voar?
- Vai descer aí também senhor? – Gritou o cobrador do ônibus, me fazendo retornar ao mundo real.
- Prefiro no ponto, se não se importar.
Desci do ônibus ainda constrangido. Reparei que a jovem me olhava da janela aberta. Ela acenou. Coisa rara. Na maioria das vezes as pessoas somente ignoram a presença dos outros. Engraçado era que seus olhos não pareciam olhar diretamente para mim. Olhei para trás e vi outra menina, igualmente vestida como a jovem do ônibus de roupas caras, e entendi. Não era para mim aquele aceno.
Não ia deixar isto me deprimir. Estava quase no centro e desisti de manter a farsa dos documentos. Iria para outro lugar agora. Iria para a praia do Leblon. Fiz sinal para o 172, já do outro lado da rua. Eu entrei, saquei minha carteira e meu Rio Card Sênior e fui rumo a mais um passeio.
- Valeu, piloto.
Cheguei à parada do ônibus e como sempre ela estava bem cheia. Pessoas de todas as idades, com os mais diferentes tipos de roupas. Alguns nitidamente iriam trabalhar, outros iam para a escola e os outros poderiam estar somente indo passear. Mas quem passearia às sete horas da manhã de segunda-feira?
Minha atenção foi fisgada por duas colegiais que vestiam saias minúsculas e meias até o joelho. Quem será que foi o depravado que desenhou esse uniformes para alguns dos colégios públicos do Rio de Janeiro? Dava para perceber que as jovens haviam, ainda por cima, dobrado a cintura da saia uma ou duas vezes para que ela ficasse ainda mais curta. Acho engraçado como elas gostam dos olhares dos homens e velhos babões para suas pernas.
O ônibus chegou e eu fui o primeiro a entrar. Como sempre. Todos estavam muito educados essa manhã, eu reparei. Cederam a passagem e não foi difícil encontrar um lugar vago a minha espera. Me sentei ao lado de uma moça muito bonita e bem arrumada. Seu perfume era forte. Ela carregava uma bolsa muito grande e um rádio na mão.
Prum...
- Oi querida.
- Fala gatíssima!
Prum...
- Só pra avisar que estou atrasadíssima hoje. Queria chegar no escritório mais cedo, mas é que ontem o Roberto me levou para jantar num restaurante ma-ra-vi-lhoso em Ipanema e chegamos muito tarde na minha casa.
- Você já levou ele pra sua casa na primeira noite?!
Prum...
- Eu sei... Eu sei... Mas ele não dormiu lá não... Menina, depois eu te conto. Avisa pro Eduardo que eu vou chegar atrasada, dá uma desculpa qualquer?
- Claro amiga!
Prum...
- Ah, obrigada Célia! Um beijão!
- Beijos! Até daqui a pouco!
Acho engraçado como as pessoas não têm mais vergonha de expor em público suas vidas pessoais. Agora todo mundo no ônibus sabia que, possivelmente, a mulher excessivamente perfumada ao meu lado, levava os homens que saía pela primeira vez para a casa. As mais variadas conclusões poderiam ser tiradas disso. Mas isso não era da minha conta. Peguei meu caderno e comecei a fazer minha primeira anotação.
Meu hobby era escrever sobre situações bizarras do cotidiano. Não só bizarras, mas que a meu ver passavam despercebidas na pressa do dia. Por exemplo, as meninas de mini-saias e a Chanel nº5.
Outra situação que me chamou atenção e mereceu destaque em meu caderninho foi a de uma jovem de mais ou menos 25 anos. Ela estava à minha direita, sentada ao lado de uma janela. Ela tinha os cabelos longos e cheios e um problema. A janela mais próxima dela estava escancarada e seus cabelos se desgrenhavam a medida que lufadas de vento entravam. O ônibus desgovernado imprimia tal velocidade que o vento era insuportavelmente forte. Ela tentava fechar a janela e não conseguia. O veículo era velho e suas janelas enferrujadas. Ela não conseguia. Me levantei para tentar ajudá-la e ela ficou muito constrangida.
- Por favor, senhor. Não precisa se incomodar. A janela está emperrada, acho que o jeito é mudar de lugar.
- Mas o ônibus está cheio, senhorita. Fique com meu lugar e eu fico com o seu. Já não tenho mais cabelos para atrapalhar.
- Não, de forma alguma, senhor. Este vento está muito forte.
Um rapaz forte chegou e pronto. Com dois dedos, fechou a janela e colocou um fim ao diálogo.
- Obrigada. Aos dois.
E ela voltou para seu lugar. Para seu aparelho de música. Como se eu nem estivesse lá.
Sentei-me e escrevi. Em determinado momento, me senti envergonhado por não ter conseguido ajudar a moça e me senti um inútil. Fiz sinal para o motorista e fui andando calmamente até o fim do ônibus, me segurando bem nas barras para não cair em uma dessas freadas bruscas. O mesmo jovem forte que ajudou a moça dos cabelos cheios, correu e me ultrapassou. Parou nas escadas, bem próximo a porta de saída e deu um assobio tão alto que meu aparelho auditivo ressonou.
- Campeão! Deixa eu descer aí!
A porta se abriu, no primeiro sinal vermelho em que o ônibus parou.
- Valeu, piloto! Vai com Deus!
Refleti por um segundo. Por que era tão comum as pessoas chamarem um motorista de ônibus de piloto? Como eles chegaram a essa associação? Será por que o ônibus ia tão rápido e tão desembestado que parecia voar?
- Vai descer aí também senhor? – Gritou o cobrador do ônibus, me fazendo retornar ao mundo real.
- Prefiro no ponto, se não se importar.
Desci do ônibus ainda constrangido. Reparei que a jovem me olhava da janela aberta. Ela acenou. Coisa rara. Na maioria das vezes as pessoas somente ignoram a presença dos outros. Engraçado era que seus olhos não pareciam olhar diretamente para mim. Olhei para trás e vi outra menina, igualmente vestida como a jovem do ônibus de roupas caras, e entendi. Não era para mim aquele aceno.
Não ia deixar isto me deprimir. Estava quase no centro e desisti de manter a farsa dos documentos. Iria para outro lugar agora. Iria para a praia do Leblon. Fiz sinal para o 172, já do outro lado da rua. Eu entrei, saquei minha carteira e meu Rio Card Sênior e fui rumo a mais um passeio.
- Valeu, piloto.
Wilma Dantec
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