segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Melhores amigos

Meu melhor amigo se chama Tadeu. Desde pequeno, quando meus pais brigavam muito e eu fugia de casa, era ele quem me ajudava a passar as horas. Eu não gostava realmente dele, e tenho quase certeza de que ele também não gostava muito da minha companhia. Ele é daquele tipo que conquista todos a sua volta, possui carisma e luz própria. Eu nunca fui assim. Talvez fosse por isso que não o considerasse realmente meu amigo.

Não importa. Isso foi quando éramos crianças. Eu cresci. Mesmo depois, quando meus pais se separaram e eu desenvolvi um medo terrível de ser esquecido, por ambos, eu me tornei um jovem saudável. Posso até dizer que foi a partir desse momento que comecei a verdadeiramente a ser amigo de Tadeu.

Nós frequentávamos a mesma creche, a mesma escola, o mesmo colégio e até fomos para a mesma universidade. Mas ao contrário de Tadeu, que até seus 15 anos, era melhor que eu em tudo, eu conseguia namorar com todas as meninas com quem eu quisesse. Minha frustração era não poder ficar com as que o Tadeu escolhia, porque, apesar de eu gostar delas, eu sabia que magoaria meu amigo.

Quem detestava Tadeu era minha mãe. Todo dia ela vinha reclamar que eu passava tempo demais com ele, na casa dele, e que não tinha tempo para a família. Que meus primos e primas queriam ‘interagir’ comigo e eu não ligava. E ela sabe que grande parte dessa alienação era culpa dela, porque eu morava com ela desde pequeno e ela precisava trabalhar e me deixava sempre em casa pensando na vida. Tudo complicou ainda mais quando ela me deu um videogame novo, desses importados, e eu e Tadeu ficamos inseparáveis. Tenho boas lembranças das tardes intermináveis de frente para a televisão, quase cegos por termos virado a noite jogando, quando zeramos o Combate Sangrento II.

É... minha mãe não gostava de Tadeu. Até que meu pai não falava muito nele. Quando eu ia visitá-lo, sempre pedia para levar meu amigo junto e ele permitia, sem problemas. Era mais uma visita de rotina do que outra coisa. Almoçávamos juntos, ele me contava como andava a sua vida, dizia que me amava e me levava de volta para mamãe. Mas tudo bem, Tadeu ia comigo e a gente se divertia pra caramba andando de bicicleta no play.

Mas isso realmente não importa, porque eu cresci. Cresci e virei uma pessoa da qual não posso me orgulhar. Virei um ser invejoso e solitário, mas isso não foi culpa dos meus pais, foi culpa do Tadeu. Mesmo depois da universidade, ele seguiu meus passos na mesma empresa em que eu trabalhava. E daí, eu percebi. Ele era uma daquelas pessoas que fingem ser carismáticos e cheios de luz, mas que precisam de um otário para fazer parecer que eles brilham. Quando eu percebi isso, já era tarde demais para consertar a minha vida. Já tinha perdido as esperanças de me livrar desse amigo falso e sanguessuga que me perseguia.

Quase sem esperanças, numa noite dessas pensei em uma solução um pouco macabra. Pensei: “Poderia matar Tadeu, ninguém sentiria a falta dele”. Comecei a ver que realmente ninguém sentiria a falta dele porque o cretino não tinha família. Ele era órfão desde que eu o conheci.

Quanto mais eu refletia sobre esse plano maléfico, mas eu pensava que era a coisa certa a fazer. Afinal, quem precisava de um amigo que vivia a margem das suas realizações, família e amigos? Senti-me em um filme de terror. E se Tadeu tivesse traumatizado no passado ao ver-me chorando por meus pais quando ele nem ao menos tinha pais? E se ele planejou arruinar minha vida desde então?

Deixei de lado um pouco essa idéia que me consumia, por uma semana ou duas. Foi quando estávamos, eu e Maria, na serra aproveitando nosso aniversário de dois anos de namoro, que o desgraçado apareceu. Estava tudo muito bem e ele conseguiu estragar. Inventou uma desculpa esfarrapada para estar no mesmo local que a gente e se unir a nós. Foi a gota d’água.

Planejei tudo, em minúcias. Iria brigar com ele no meu apartamento, dando motivos para ele sacar a arma que estava na minha escrivaninha da sala. Ele sabia muito bem onde eu a guardava e quando eu a adquirira. Só não sabia o porquê que eu a comprara. Ele pensara que era para a proteção, contra algum dos meus medos, mas não, eu planejara acabar com a vida de alguém que na época não era ele. Mas agora tudo estava claro. Meu subconsciente me falava desde meus 25 anos que era para isso que essa arma serviria, para matar Tadeu. Minha vida só era do jeito que fora por causa deste safado.

Ocorreu tudo como o planejado e ele tentou, de fato, atirar em mim. Mas as balas eram falsas e em seguida, eu o matei com uma arma recém adquirida com balas verdadeiras. Eu o matei. Como legítima defesa, é claro. Mas para a minha maior surpresa, não houve julgamento e nem perícia. Não houve choradeira, nem enterro. Meu pseudo-melhor amigo se foi, sem deixar vestígios... Só um rastro de destruição na minha pseudo-vida.

Hoje, tudo vai bem. Melhor. Tenho o emprego dos meus sonhos, me casei com Maria e minha família consegue até co-habitar na mesma reunião. Ao longe, vejo meu primeiro filho engatinhando... e, mesmo cercado de tanta gente que eu amo, continuo me sentindo vazio. A culpa me acompanha e eu jamais esqueço que eu matei quem eu mais amei, meu amigo imaginário.

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