segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Norminha manicure

Sou homem. Um macho bem resolvido, com vinte e sete anos de pura masculinidade. A redundância faz-se necessária pelo seguinte segredo: faço as unhas toda semana. E o pior: tenho uma manicure para chamar de minha, há três anos e quatro meses. Entretanto, não é uma pessoa qualquer. Norma Lopes da Silva, 34 anos, é um ser portador do dom da palavra e do esmalte também. Norminha – só para os clientes fiéis – é moça simples, com pouco estudo, dois filhos e três maridos (como ela mesma assume, mas só para os clientes fieis). Bate seu ponto toda segunda-feira em minha residência. Sempre peço para esconder alicate, esmalte, acetona, etc, antes de chegar ao meu prédio, mas ela não se conforma:

- O senhor tem vergonha do meu ofício? Saiba que não sou estudada, mas meu trabalho é digno também!

Tento explicar, sempre em vão, que porteiro e moradores podem não entender meu hábito e acabar com a minha reputação com interpretações preconceituosas.

O que mais gosto em Norminha não é a forma caprichosa como ela tira minha cutícula – e é só a cutícula e não pedaços de dedo – mas sim sua vocação à psicologia. Enquanto ela trata os cinco dedos da mão direita, partilho meus problemas.

- Norminha, o clima lá no trabalho está difícil. Tá todo mundo querendo comer o meu fígado. Não me conformo com meu salário e com meu cargo, mas não adianta falar com o doutor Moraes, aquele de quem te falei semana passada. Ele não me dá uma promoção. Só levo esporro. Tenho que ser promovido ainda esse ano. A prestação do carro ainda não acabou. O pior é que não estou conseguindo produzir mais…

Antes que eu terminasse de chorar minhas pitangas, ela interfere:

- Calma, Teo. Você só tem 27 anos. Acabou de se formar e já trabalha em uma empresa de bacana. Te vejo como andorinha querendo voar como gavião. Freud dizia que todos nós temos que aprender a viver com regras e com nossos limites. A falta é algo natural do ser humano.

Outra característica de Norminha é ser grande leitora dos livros freudianos. Por isso, sinto-me mais confiante em ouvir seus ensinamentos.

- Tudo bem, Norminha. Não concordo muito com a parte da andorinha e do gavião, mas tudo bem. Mas não é só isso. Lembra do Rui? Aquele cara que era meu amigo? Era, Norminha! Era! O safado arrumou a maior confusão comigo. Ficou aos berros no meio da empresa por uma coisa super boba. O problema é que estou sem dormir, me sentindo super culpado.

- Ah, Teo! Já falamos sobre isso, né? Você e essa sua mania de se culpar por tudo. Larga esse chicote, cara. Você sabe que nunca gostei do Rui. Segundo Freud, isso se chama Superego. Já te disse que a autoacusação não serve de nada.

Começo a ficar aflito, porque Norminha foi mais rápida do que o comum. Antes que eu começasse a falar da minha vida afetiva, da Flávia, ela já havia terminado as duas mãos. Não posso deixar esse assunto para semana que vem. Vai ser tarde demais. Preciso do parecer de Norminha. Não tardo em pedir:

- Norminha, hoje vou fazer o pé também. Pode caprichar, porque ele está bem cascudo!

- Vai fazer o pé? – surpreende-se ela – Nunca fez o pé na vida!

- É, mas hoje quero fazer o pé! Por quê? O que Freud diz sobre homens que fazem o pé? Pode deixar que vou pagar!

Em silêncio, ela aceita a proposta. Coloca meus pés na água e prepara a lixa.

- Aviso logo. Suas unhas estão encravadas!

Feliz, sem me preocupar com o que ela vai fazer com meus dedos, disparo:

- Norminha, a Flávia me ligou e pediu para voltar. Fiquei balançado. Queria te ligar, mas não tive coragem. Eu sei que ela pisou na bola comigo, mas pareceu arrependida. Vamos almoçar amanhã. Não sei o que faço. Tenho medo de me frustrar de novo, mas ela é a mulher da minha vida. O que faço?

- Dessa vez não vou usar a teoria das pulsões de Freud. Vou usar a teoria do homem babaca da Norminha! Se toca né, Teo. Essa mulher acabou com você. Te traiu com seu irmão, roubou seu dinheiro e você ainda pensa em voltar. Sinto em dizer que esse desejo você vai ter que controlar para se dar um pouquinho de valor. Você me irrita com essas coisas.

Prefiro não ouvir a “teoria do homem babaca da Norminha” e antes que ela terminasse os dois pés, desabafei tudo o que ficou entalado ao longo da semana. Falei sobre a carência da minha mãe, a morte do meu pai, meu sobrinhos, o pré-sal, a demissão do Renato Gaúcho e a atual situação do Fluminense, sobre a atriz pornô que está com uma doença misteriosa. No fim, estava leve, tranqüilo e com as unhas maravilhosas.

Já de Norminha, não se diz o mesmo. Cansada – mais pelos conselhos do que pela unha – a manicure / terapeuta freudiana se despede com a frase mais sábia que poderia sair-lhe da boca:

- Semana que vem, você é quem vai fazer minha unha, ok? Pé e mão!


Téo Versiani

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